Nossas gentes, nossa terra ( contos dos nossos Avós...)

Vivíamos numa cidade muito pequena, Moçâmedes/Namibe ao sul de Angola, mas de gente amiga, simpática, com uma vida social muito presente, e portanto sempre com muitos momento bons a viver e divertidas histórias a partilhar.

Tudo em Moçâmedes se desenrolava em seguimento de muita harmonia e bem estar. Eram os nossos pais, tanto quanto Avós, os nossos mais velhos que, ao reunirem amigos e família e no compartilhar de histórias de vida em meio a brincadeiras, carinho, almoços de domingo e no clube da cidade, o velhinho Clube Náutico, cultivavam as melhores épocas da nossa terra.Tempos muito bons, de outros valores e quando em tudo e por tudo havia risadas, alegria, convivência, ensinamentos e bons exemplos acima de tudo.

Havia um tema que divertia muito o chá das tarde das senhoras da terra: a chegada à cidade dos navios que vinham de Portugal com pessoas muito simples, vindas de aldeias do interior que não faziam pois, a mínima ideia do que poderiam encontrar em terras de África.Era muito comum imaginarem que teriam de viver na selva correndo riscos de se cruzarem com leões e elefantes nas esquinas. Sim, infelizmente acreditava-se em coisas assim, e muitas estórias eram contadas sobre estas pessoas.

Uma das grandes famílias de Moçâmedes, entre as mais queridas, era a família Gavino. A Avó desta grande família a, avó Adelaide, a Laidinha , casada com o Avô Daniel, adorava juntar todos, especialmente os netos, para contar as graças e aventuras dessa gente que saía de Portugal como que enganada, ou seja, sem pensar muito bem no que estava fazendo. Em sã consciência não era fácil tomar a decisão de se aventurar por selvas africanas e poder encontrar cobras e lagartos no quintal de casa e a sair pelas torneiras das casa. Metiam-se num navio, meio que “às cegas”, e lá vinham eles.

E, contava a Avó Laidinha:

-“ houve uma senhora na nossa terra que sofreu muito, pobrezinha.Chegou aqui quase que empurrada para dentro do navio e o resultado disso foi a total falta de adaptação à cidade e a tudo que lhe cheirasse a África. Passava todo o tempo a dizer mal de Moçâmedes e logo que soube que as enchentes do Bero aconteciam em tempos de fortes chuvas, achou ter encontrado a praga perfeita. Cheia de raiva dizia “aos quatro ventos” pelas ruas da cidade:

-“ tomara que venha uma que arraste esta maldita terra para o mar”!

Mas a tal enchente demorava , demorava e demorava e, então a obstinada senhora resolveu afogar as suas mágoas nuns copitos enquanto ela não vinha. Não havia dia que ela não parasse num bar onde pudesse rogar a sua praga preferida a quem quisesse ouvir:

-“que a enchente vos carregue a todos!”-dizia ela já trocando os olhos para uma dúzia de copos vazios em cima do balcão do bar.

As chuvas chegaram, o Bero encheu, as Furnas jorravam água para todos os lados e com a agravante de uma forte calema que levou a água do mar a galgar três ruas para dentro da cidade, já se usava barco na Avenida da República ali em frente ao Cine Moçâmedes.

Ao juntar da chuva às calemas eram realmente as piores enchentes . Houve várias em Moçâmedes. Uma das últimas grandes enchentes teve até direito a Reportagem da Rádio Comercial de Sa-da-Bandeira com a presença do Emídio Rangel ( o Doca) .A ocasião merecia.

Mas voltemos à obstinada senhora e sua praga.Tinha dado certo. Uma desgraça nunca vem só, como diz o velho ditado e era água por todos os lados. Foi terrível, mas a senhora entretida por horas e horas nos copos, não se apercebeu do que estava acontecendo. Saíram todos do bar, ela finalmente botou o nariz para fora da porta e começou a gritar como uma doida:

-“ Deus meu, meu Deus, tenha piedade desta sua serva.Eu não quero que o mar me leve. Me ajudem, amigos moçamedenses”. E chorava que se acabava, a pobre mulher.

Naquele dia , numa das piores enchentes já vistas pelas ruas de Moçâmedes viu-se durante um dia inteiro uma senhora a pedir perdão a Deus e a gritar em desespero:

“ Maldita praga que eu roguei! Não quero ser arrastada para o mar!”

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Lana

Lady Lana
Enviado por Lady Lana em 26/10/2020
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