Tempos de Irreflexão
Estamos vivendo um tempo de invasão das informações, sobrepondo-se ao regramento normativo, qualquer que seja, e mesmo ao bom senso. A avalanche de notícias e divulgações de qualquer natureza dificulta o seu enquadramento em categorias que, no mínimo, poderiam nortear a apreensão mais atenta do seu conteúdo, muito antes de significar qualquer censura a opiniões.
As pessoas podem ter opinião, devem, é-se desejável que tenham, por ser a única forma, segundo o pensamento kantiano, do ser humano sair da sua minoridade – de ser tutelado por outro – e exercer a plena liberdade de forma esclarecida. No entanto a opinião deve ser genuína, de base reflexiva, e estar sustentada por informações fidedignas e concretas, por fatos.
A grande massa de informações torna também pesada a tarefa de se verificar a sua fonte, a sua fidelidade com os fatos e mesmo a aplicação de uma sempre necessária avaliação de bom senso. É inteligível, pois colocar a habilidade da sensatez e da razoabilidade em algo requer o dispêndio de um mínimo de energia. Multiplicado por um tráfego cada vez maior de dados em comunicação há de se convergir a uma inércia difícil de superar.
Isso é um sério problema para o pensamento contemporâneo do homem médio, pois, em tempos de "fake news", a superficialidade no processamento das notícias aliada com uma falsidade generalizada, na maior parte das vezes proposital e manipuladora, desloca com severidade as referências que deveriam ser os alicerces sobre os quais se desenvolve o raciocínio. O obstáculo que se põe à razoabilidade é quase intransponível.
O resultado dessa situação, decorrente do mau uso das tecnologias de informação dos nossos tempos conjugada com o volume do que se recebe, é que as pessoas a quase tudo tratam com superficialidade máxima e sem a mínima e razoável crítica, e passam a acreditar naquilo que confirma seus conceitos "a priori". É mais fácil. Não importa mais se a informação é verdadeira ou não. Se ela passa pelo filtro de seus preconceitos e corrobora suas crenças, convicções e tudo o mais que pode ser colocado na contrariedade da busca da verdade, é o que basta.
À falta de visão crítica agrega-se a velocidade com que as pessoas se obrigam a manifestar-se sobre as situações impostas como relevantes para a sua vida em sociedade. Daqui, do nosso posto de observação, verificamos que, para além do cotidiano singelo das pessoas, há um efeito paralelo, desagradável e prejudicial, no meio em que, hoje, se relaciona o convívio entre as pessoas, que vem traduzir-se pelo linchamento social visto diuturnamente nas redes sociais. Os julgamentos pessoais em face de notícias – vistas aqui como, no mínimo, carentes de verificação – são instantâneas e virulentas.
Todavia, há um efeito colateral mais nocivo ainda à sociedade em geral que é o que está a ocorrer no poder judiciário e nos órgãos de controle. Os membros de uma coletividade que deveriam estar subordinados às mesmas leis ou preceitos deveriam, também, prestar mais atenção ao que se procede nesse campo. A licença que se dá a não se permitir o devido processo legal para alguns, em nome de uma pronta resposta em cognição sumária, é permissão para, num futuro próximo, se valer contra outros cidadãos e, por que não?, para todos que não sejam amigos do rei. Atenção!
As ações levadas em curso e as decisões tomadas de maneira irrefletida e açodada se iniciaram na esfera criminal, mas se disseminaram em processos administrativos sancionadores do TCU – Tribunal de Contas da União, da CGU – Controladoria-Geral da União, da CVM – Comissão de Valores Mobiliários e afins. Em tempo, o mesmo "modus operandi" se verifica em ações judiciais cíveis, tributárias e trabalhistas.
Nessa era de opiniões fugazes, julga-se a pessoa antes pelo que ela é, supostamente, do que pelo mérito do que se está a tratar. O processo passou a ter capa mais importante do que o conteúdo. Uma sentença judicial, ou uma decisão administrativa, tem que estar sustentada na lei. No entanto o que tem mais peso são notícias da rede mundial e as sentenças prolatadas em outras esferas. O mérito específico, o objeto daquela querela particular, não mais importa.
Uma decisão pode dizer que o autor ou o réu de uma ação não tem razão, mas ela não pode dizer isso sem nenhuma evidência legal. Ainda que a convicção pessoal de quem a assina seja essa. É quase como dizer que a Terra é plana. Ela pode dizer, mas a Terra não é plana.
Quando se é juiz ou julgador é preciso ter muito cuidado com aquilo que se decide. O que se vê é que o crime, agora, é ser quem é. A culpa está atribuída por ser quem é. Não considera se o seu direito foi aviltado em alguma outra apreciação posta para deliberação. Sonega-se um direito por uma outra razão.
Está-se negligenciando à sociedade os direitos universais e constitucionais para dar lugar às opiniões e às convicções pessoais. Bem próprio a ser a reboque dos nossos tempos. É uma vigarice intelectual. É uma malandragem jurídico-intelectual.
Já é, antes do que ele fez tal coisa, porque ele é tal coisa.