ELAS CAÍAM COMO DO CÉU

ELAS caíam como do céu, de um céu azul, porque minha terra é o Sul. A queda era recepcionada, suavizada, por um lençol aberto e seguro por oito mãos femininas, quatro mulheres lindas e delicadas, uma em cada canto, todos atuavam como carinhosas “bombeiras”. Lá do alto, eu, um piá, chacoalhava os galhos com cuidado para somente cair às amarelas, as maduras, eram as suculentas peras de água da casa de minha avó. As “bombeiras” eram todas da família, minha avó, sua irmã Olga que vinha de Campinas-SP para visitá-la, minha mãe e tias.

Hoje acionei minhas lembranças de forma instintiva, um flash decorrente da visão que tenho do meu local de trabalho. Sou aposentado, mas ainda estou em atividade. A visão que eu tenho propicia a bela visão das duas pereiras. Hoje os frutos são poucos, mas suficientes para ainda sentirmos o seu sabor. As pereiras estão velhas, no entanto, ainda propiciam uma bela e valiosa sombra. Tal como nós, os anos passam, mas o que temos de maior valor é, sem dúvida, a sombra de nossas experiências que o tempo encarregou-se de nos ensinar.

Minhas lembranças ainda estão em minha tela, tenho também a visão das figueiras. Lembro dos doces de figo e também das marmeladas que minha avó e minha mãe faziam, as quais eram guardadas em caixotes. Felizmente tenho em casa quem as faça, utilizando-se dos ensinamentos colhidos daqueles que já se foram.

Só tenho que agradecer a Deus por este juiz do tempo e pelas boas lembranças. As que vemos como ruins, devemos esquecê-las. Há quem diga que um passado bom a gente embrulha e coloca até laço para se tornar presente. Confesso, eu coloco o laço. Hoje fiz uma viagem de alguns minutos, mas são lembranças de uma vida. A vida é isso, um retrocesso de memórias e saudades. Um passado bom nunca se afasta do presente. O passado é história, o futuro um mistério e o presente uma dádiva.

"O tempo pode apagar lembranças de um rosto, um corpo, mas jamais apagará lembranças de pessoas que souberam fazer de pequenos instantes, grandes momentos. Quem conhece a felicidade, não consegue mais aceitar humildemente a tristeza" - Paulo Coelho.