Histórias da nossa África ( terras de Moçambique...Os bolinhos de abóbora)

Embora as primeiras ocupações portuguesas na costa africana tivessem sido durante as grandes navegações no sec XV e sec XVI com a fundação da cidade de Luanda, o maior movimento da colonização portuguesa em África foi o que durou do sec XIX até meados do sec XX.

Portugal edificou um importante império, mas era sem dúvida a nossa querida Angola a mais rica das províncias ultramarinas portuguesas.São de Angola, assim como da quase vizinha Moçambique na costa Oriental, as minhas (nossas) maiores referências de vida e fantásticas lembranças.

Sob a ditadura Salazar (1889-1970) que era contrário à política de descolonização, Portugal declara as colônias como territórios ultramarinos e começa a dotá-las de infra estruturas como escolas e hospitais assim estimulando a imigração de portugueses.Muito foram para lá viver, outros já lá nasciam e se consideravam filhos de Angola, tal como eu. E fomos felizes, realmente felizes naquelas terras apesar do bem-estar das populações africanas terem sido uma preocupação muito tardia do Governo português, o que repudiávamos.

A economia de terras portuguesas em África tornou-se uma realidade e a de Angola, principalmente, pelas suas imensas riquezas como diamantes, petróleo, ferro, etc assim como a quase vizinha Moçambique com o gás natural e mineração .Por grande paradoxo que pareça, deve-se muito ao terrorismo o “acordar” para a exploração e desenvolvimento dessas riquezas.Sob a soberania portuguesa houve evolução, progresso e modernização, inquestionavelmente. Começavam os grandes investimentos e com eles a necessidade de contratos de profissionais que pudessem assumir suas vidas, mesmo que por contratos temporários.Famílias inteiras vindas da Metrópole se instalavam em locais por vezes longínquos e assim assumiam seus postos de trabalho e seus lares.Foi o caso da barragem de Cabora Bassa( Cahora Bassa) em Moçambique, obra fantástica no rio Zambeze.Foi aqui, em lindas terras verdes, que minha amiga Marilia se instalou com a família num bairro muito simples a uns 7 ou 8 Kms da povoação mais próxima onde , apesar de vidas bem simples conseguiram adaptar-se com razoável conforto:Marília professora, o marido engenheiro e filhos ainda muito pequenos , crescendo naquelas terras de Moçambique. A relação dos portugueses com os indígenas era pacifica, civilizada, por vezes até com sentimento de amizade embora convivendo com injustiças sociais como por exemplo a questão salarial.No entanto, ajudados muitas e muitas vezes por seus empregadores, tornavam-se companheiros reconhecidamente amigos e fieis. Na época , anos sessenta, começaram a aparecer exigências do Ministério da Educação de que também aos trabalhadores indígenas que assumissem contratos em empresas públicas seria exigido o 4º ano escolar.Completavam o ciclo primário com muita dificuldade mas, infelizmente nem isso lhes servia para conseguirem salários bem renumerados.Para melhoras de seus currículos escolares eram muitas vezes ajudados pelos professores nas suas provas finais e muito mais nas orais quando o nervosismo por terem a família presente os deixava por vezes sem reação favorável aos interrogatórios. Havia uma professora que, embora tivesse um histórico de má e intolerante durante o ano escolar tornava-se um anjo de bondade a ajudar nas provas finais. Na época , uma das perguntas do exame oral era sobre a utilidade dos chifres de boi. A professora ajudava; apontava para seus botões e outros objetos que via por perto e os alunos chegavam lá.

-“ ah professora, os chifres do boi’!

Mas, a determinada altura a professora queria que o aluno falasse nos pentes para pentear o cabelo cuja matéria prima era também o cifre de bois, e como o aluno não reagisse ela começou a fazer gestos e mais gestos com as mão na cabeça.Finalmente o aluno “entendeu” e respondeu:

-“áh sim professora, os chifres de boi servem também para enfeitar as cabeças”.

Muitos outros casos de ajuda aos mais carentes aconteciam .

O João, foi um dos casos. João foi dispensado de um emprego pois bebia muito mas era um bom homem e um excelente mecânico. Assim sendo, o marido da Marília não achava justo o baixo salário que recebia pelo fato de ser negro e com pouca escolaridade, e dispôs-se a conseguir-lhe uma melhor remuneração salarial. Em troca, o João apenas teria de lhe fazer uma visita todos os domingos em estado sóbrio. Queria confirmar que era um novo homem, um homem afastado de qualquer tipo de bebida alcoólica e assim sendo receberia o novo salário. E assim foi. Por vários fins de semana as visitas foram feitas a casa da família . João deixou de beber e começou a receber um salário igual aos mecânicos brancos.No Natal seguinte toda a família da Marília foi visitá-lo como que um presente pela grande conquista, e a emoção foi grande para todos.

Assim se vivia. Todos amigos e muito juntos. Vidas normais como em qualquer outro local mas com aqueles carinhos especiais para quem mais se isola dentro de uma mundo menor.Era um tempo de dias felizes .

Marilia e as amigas, como donas de casa que eram, tinham tardes maravilhosas de fazer bolos e espalhar o cheirinho pela rua, uma rua de muitas crianças.

Houve um dia que foi o dia dos bolinhos de abóbora da Marília. O fermento ajudou a multiplicação daquelas delicias e eles espalhavam-se pela cozinha enchendo pratinhos e mais pratinhos. Apareciam bolinhos por todo o lado. Cada vez iam chegando mais crianças que, vendo aquela fartura não mediam limites e Marília acabou por ficar com receio que passassem mal e ,então, fez-lhes a seguinte proposta:

“ -meninos , a partir de agora cada um só vai comer o correspondente aos anos que tem. Carlinhos, tens 5 anos então comes só mais 5. Joãozinho tens 4 então só comes 4.Pedrinho, tens seis então comes só mais 6”

Começaram todos a fazer contas aos dedos e lá se conformavam. O Pedrinho achando que seriam poucos os seis bolinhos a que tinha direito vira-se para a Marília e diz:

-“ professora Marília, mas eu já vou fazer 7 anos no mês que vem. Pode me adiantar mais um?”

Lana

Lady Lana
Enviado por Lady Lana em 23/10/2020
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