Grãos de Areia
As areias do deserto se moviam de uma forma diferente para V, não mais como antes. Ele se lembrava do calor e da sensação áspera de ter os grãos sendo soprados pelo vento, contra seu rosto, mas ele não sentia isso agora, não mais como antes.
Seus olhos já não observavam da mesma forma, ele se sentiu espantado ao ver que as coisas se transformavam de maneira tão sutil e significativa, ele poderia esperar qualquer coisa para quando aquele momento chegasse, aquilo era surpresa.
Por que aqui? V pensou. Ele poderia estar em casa, perto de seu pai. Poderia estar perto do amor de sua vida... Mesmo depois de tudo que ele havia feito. Ele fizera algo horrível, mas V não o odiava. Jamais odiaria.
V o amava.
Entendeu de imediato o motivo para estar onde estava, no centro daquele deserto, vendo todas aquelas dunas de areia se movendo com o vento, mesmo sem poder senti-las.
“Gostamos de compartilhar aquilo que amamos com quem amamos”
A frase emergiu da tempestade de areia que acontecia em sua mente. Aquele era o lugar. Tempos atrás eles haviam estado ali, V e D. Juntos. Antes de tudo ruir, antes de seu coração deixar de pulsar e de sua existência ser apagada, junto de suas memórias, de sua visão do mundo, de suas sensações.
V queria poder estar com seu pai, antes de partir. Queria poder segurar sua mão e dizer que estava bem, mesmo que ele não pudesse ouvi-lo, ou senti-lo, ou vê-lo... Não mais como antes.
Seus pés se moveram e ele caminhou, aceitou ficar caminhando para para sempre, talvez até que o deserto encontrasse uma forma de engolir sua alma.