ESSES ILUSTRES DESCONHECIDOS EM NOSSAS FOTOGRAFIAS
Com um forte sotaque nordestino, uma senhora gritou:
“- Juracir, olha pra cá!”
E, pimba!
Com um telefone celular, a senhora, vestida de modo muito simples, fez a foto de um garoto que devia ter uns 5 anos. O garoto, Juracir, usava chinelos de dedo e tomava um sorvete de casquinha. Estavam num grande shopping do Rio de Janeiro. Pareciam avó e neto. Pareciam, também, não ter dinheiro para comprar mais nada, além do sorvete de casquinha. Mas, era domingo, era um passeio no shopping, em família.
Eu, sem querer, saí na foto, atrás do Juracir. Eu vinha passando bem naquela hora. Se a senhora se der ao trabalho de revelar aquela fotografia, talvez, em 20 anos, eu ainda esteja lá, passando atrás do menino. Eu estarei gravado na história do Juracir como uma personagem desconhecida, daquelas que aparecem em nossas fotos públicas, mas que a gente não faz a menor ideia de quem sejam.
Todo mundo tem uma foto com um ilustre desconhecido ao fundo, seja no Maracanã, no Pão-de-Açúcar, na praia ou numa festa. Eu tenho várias. E, às vezes, fico me perguntando quem seriam essas pessoas. Será que ainda estão vivas?
Gente batendo palmas pra mim no meu aniversário de 1 ano de idade. Eu não conheço a pessoa e nem a minha mãe se lembra dela. Seria um penetra? Numa festa tão chinfrim, cheia de guaraná Convenção sobre a mesa, cajuzinho, balas baratas envoltas em papel de seda, pizza de sardinha e chocalhos cheios de arroz cru, na junção de dois copos descartáveis e um palito de churrasco enfiado no meio.
Quanta pobreza e, ainda, com penetras! Ah, meu Deus!
Tenho muitas fotos com desconhecidos ao fundo. E tento, amalucadamente, imaginar quem seriam essas pessoas, o que elas faziam da vida, como elas viveram... Da mesma forma que devo figurar em fotos de outras pessoas. Da mesma forma que saí, sem querer, na foto do Juracir.
Talvez, um dia, bem mais velho, se for de fértil imaginação, ele também tenha curiosidade em saber quem foi aquele barbudo, meio desengonçado, de óculos e mochila às costas, que ficou gravado em seu retrato, enquanto ele tomava um sorvete no shopping.
No fim do dia, saindo com o carro, ainda vi o Juracir tomar um ônibus com a avó, na porta do shopping, em direção ao subúrbio. O moço barbudo, desengonçado, de óculos, que ficou gravado na foto, olhou o Juracir pela última vez. Ele não tinha um pacote nas mãos, não tinha um brinquedo novo e o sorvete já era. Mas Juracir parecia feliz, segurando na mão da avó.
O sinal abriu, acelerei o carro e, antes de pensar em outras coisas menos importantes, desejei que o Juracir fosse muito feliz na vida.