QUERO MAIS UM MILHÃO DELAS...

Na realidade, ele tornara-se um nostálgico de primeira linhagem. Não era à toa que sempre se surpreendia absorto em suas divagações, empreendendo seus voos imaginários a revivenciar suas lembranças transformadas em fiéis saudades e nesse afã parecia romper as barreiras e limites impostos pelo tempo.

Sentir saudades é um estado de plenitude, talvez o mais sublime enlevo que o ser humano pode vivenciar. Nesses momentos o espírito parece valer-se da nossa memória e alçar seus voos à bordo da nossa imaginação, e aí somos surpreendidos com aquela sensação de vazio ou cheios de vontade de " matar" saudades.

Muitos já exaltaram suas saudades: teve quem já falou da professorinha que lhe ensinou o bê-á-bá; das suas jovens tardes de domingo; da criança que foi a brincar de jogo de botões sob a calçada. Teve quem sentisse medo de morrer de saudades; teve até quem dissesse que sentia saudade de tudo o que ainda não viveu. Estranho? Pode ser, mas quem nos garante que esse sentimento não tem algo de transcendental, intrinsecamente vinculado às faculdades do espírito? Bom, deixa prá lá.

Mas há quem diga: “Só sente saudades quem vive do passado e viver-se do passado, pode comprometer nosso futuro! Parece-me uma convicção demente, mas... cada cabeça uma sentença.

Eu tenho as minhas saudades triviais: saudade do jovem que fui; dos amigos que sumiram; dos meus ídolos; dos meus heróis. Tenho saudades do menino que fui a correr irresponsável pelas ruas da minha infância, sem nunca imaginar que logo ali, na curva do futuro a vida poria em minhas mãos um punhado de problemas e responsabilidades. Tenho saudades muitas e, como na letra da música eu diria: “Eu não sei pra quê que a gente cresce!

Tenho saudades de algumas pessoas especiais. Aquelas pessoas "cometas", que por tão breves momentos cruzaram o meu caminho, mas me ensinaram lições extraordinárias de seriedade, companheirismo, responsabilidade. Virtudes tantas que as incorporei e muito me auxiliaram a acertar o passo na cadência da vida.

Tenho saudades dos momentos que me deixaram a sensação de que os vivi intensamente, com tudo o que me era de direito; mas também dos que não deixaram em mim essa sensação de plenitude, mas vivi-os, mesmo faltando o outro lado da maçã. No cômputo geral, quero crer que amealhei dividendos consideráveis que me garantem um patrimônio espetacular de belas saudades, dividendos esses que vou prazerosamente investindo ao longo de minha história de vida.

Pois bem, tornara-se um nostálgico. Agora mesmo, estava na palma de sua mão o veiculo que o conduziria a uma das suas especiais saudades.

Bastava-lhe teclar aquele número de telefone armazenado em sua memória e, em frações de segundos, sua voz romperia distâncias que o separava daquela que há já muito, no auge de sua adolescência, falou-lhe de amor, fez-lhe confidências, compartilhou com ele breves, mas gratificantes momentos.

O tempo não espera por ninguém e nunca correra tanto, desde o dia em que tiveram que seguir por caminhos diferentes. Um dia, mais um, mais outro e a sensação que ele tinha naquele momento era de que havia uma eternidade que não se falavam, não se encontravam, não se olhavam nos olhos.

Outro dia ele leu uma reportagem interessante, estava lá: “todos nós temos a nossa criança interior. Crescemos, amadurecemos, envelhecemos, vivemos todas as fases do crescimento, mas a nossa criança permanece em nós, ali, recatada. Representa todas as nossas lembranças da infância, nossas emoções, nossos sonhos”.

Ora - pensou - , será que além da criança interior, não temos também, cá em nós, a presença do pré- adolescente, do adolescente que fomos? Se cada fase do crescimento vai cedendo lugar umas às outras, será que cada uma conserva suas lembranças, suas emoções, seus momentos vividos?

Poderia até ser uma tremenda asneira tudo aquilo que ele cogitava, mas fixou-se nessa idéia, mesmo parecendo-lhe um ridículo paralogismo.

E foi adiante nas suas fantásticas cogitações. Tudo bem, a adolescente que ela foi cedeu lugar à mulher madura na qual ela se transformou, mas se a adolescente que ela foi estava dentro dela, lógico, a lembrança dele estaria ali adormecida, talvez até jogada num canto qualquer de sua memória, como algo inexpressivo que passou por sua vida, sem causar-lhe grandes perdas e danos, mas de qualquer forma sua lembrança estaria lá.

As Histórias de amor... Sempre são interessantes. Algumas belíssimas, dignas dos grandes mestres que exaltaram a supremacia do amor; outras nem tanto, mas belas no enlevo maior desse sentimento.

Mas há aquelas que soçobram nos mares revoltos da desilusão. São as doloridas, quando duas pessoas resolvem seguir por caminhos diferentes, mesmo depois de terem compartilhado momentos de devaneios; mesmo depois de terem doado-se tanto, de terem investido tanto em nome do amor.

Cada um vai para o seu lado, carregando na mala uma bagagem enorme de decepção, dissabores, descrença, etc. Já não são duas almas num só corpo, mas fica um detalhe interessante: jamais serão estranhos um para o outro, cada um deixa um pouco de si; cada um leva um pouco do outro.

Ele deixou com ela um pouco de tudo: dos seus mistérios, do seu jeito meio estranho de não saber falar de seus sentimentos, da figura de um homem sisudo, de poucas palavras, risos e sorrisos, etc.

Acomodou o aparelhinho na palma de sua mão e pela enésima vez tentou discar aqueles números. Começou a acionar cada tecla, pausadamente, como se no intervalo de uma para outra, buscasse mais uma porção de tempo para refletir sobre os possíveis vexames e consequências que aquela sua façanha poderia lhe render. Não tinha a noção de absolutamente nada do que poderia encontrar do outro lado da linha. Talvez ela nem o atendesse, ou pior, se o fizesse, seria com uma saudação fria, silenciosa, indiferente.

Respirou fundo, encheu os pulmões de ar. Uma..., duas..., três chamadas e ouviu um sonoro alô. O timbre da voz não lhe deixava dúvidas. Era ela em pessoa. Ela com o seu mesmo jeito de falar, de dizer, de confidenciar. Cautelosa com as palavras, mas pouco a pouco aquela sua adolescente interior ia ganhando corpo, se mostrando com passos leves, fazendo-o imaginar que aqueles vinte e poucos anos que não se falavam, até pareciam insignificantes vinte e poucos dias, vinte e poucas horas, vinte e poucos minutos.

Quando ele finalizou aquela ligação, um passado inteiro rodou em sua cabeça. Parecia tudo muito ali..., tudo muito presente.

Ele não saberia dizer se “matou” a saudade, mas adormeceu em paz.

eduardoaugustocondeprotonmail.com