CONVERSANDO COM A ESTÁTUA DE TOM JOBIM EM IPANEMA*
Depois de me encontrar com Clarice Lispector, na Pedra do Leme, e com Dorival Caymmi no Posto 6, alcanço o fim do calçadão da Atlântica, mas ainda tenho fôlego suficiente para seguir adiante, rumo à Ipanema, onde me aguarda o maestro soberano Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, o nosso Tom Jobim.
Aproximo-me reverentemente do criador da Bossa Nova e ele, com o braço do violão apoiado em seu ombro direito, me chama alegremente para uma conversa:
- “Rapaz, se aproxime! Vou te contar uma história: você sabia que os Estados Unidos, onde vivi algum tempo, é bom, mas é uma merda! E o Brasil é uma merda, mas é bom?!” – exclama ele com uma sonora gargalhada!
- Hahahaha, rimos tanto que as pessoas paravam para nos olhar. Já perdendo a timidez, pergunto-lhe com a sofreguidão de um adolescente:
- Maestro Tom, quais são os grandes mistérios do amor e das paixões incontidas? Afinal, por que essa incansável busca da mulher amada? Não é possível ser feliz sozinho?
“Vou te contar, os olhos já não podem ver,
Coisas que só o coração pode entender,
Fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho.
O resto é mar, e tudo que eu não sei contar.
São coisas lindas que eu tenho pra te dar,
Fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho.”
Responde-me ele fazendo se acompanhar ao violão.
“Humm, resmungo em voz baixa: “é mesmo, o Tom tem razão, não dá para ser feliz sozinho!”
Pergunto-lhe, em seguida, sobre a veracidade de um fato que ocorrera com Vinícius:
- Maestro, é verdade que você e o Vinícius, após detonarem todas as garrafas de whisky do estoque do Veloso (atual Garota de Ipanema), você ofereceu ao Vinicius uma carona para levá-lo em casa. Entraram no seu carro e você assumindo o volante e disparando em alta velocidade, reclama veementemente com ele:
- Porra Vininha, alivia aí, você está correndo demais!
- Caralho, Tomzinho é você que está dirigindo! - responde-lhe Vinícius meio que zangado, meio que na chacota...
Ao ouvir essa história, ele me confessa com um sorriso:
- Pois é rapaz, é verdade mesmo. Eu estava tão chapado que achei que era o Vinícius que estava dirigindo como louco…- confessa-me ele com um sorriso.
Agradeci-lhe pela lição e pelos esclarecimentos e, com os acordes dissonantes que ele havia criado, ainda me ressoando nos ouvidos, retorno tranqüilo e feliz depois de tantos encontros gloriosos à Rua Professor Gastão Bahiana, em Copacabana, onde passei a residir com minha jovem mulher, que já me esperava dando-me o derradeiro abraço desse auspicioso domingo carioca.
Lembro-me então de Woody Allen quando nos adverte que “a vida é uma doença incurável e sexualmente transmissível”. Sim, é preciso viver intensamente até se morrer dela, não é mesmo Clarice?!
Texto extraído de meu livro Conversando com Estátuas e outras histórias editado recentemente pela ed MouraSa, Curitiba, 2020
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