A OBRA DA ESTAÇÃO RODOFERROVIÁRIA DE CURITIBA E OS ESTAGIÁRIOS

A Estação Rodoferroviária de Curitiba e os estagiários

Às pessoas que falam que atualmente é necessário matar um leão por dia para sobreviver, recomendo: faça uma faculdade de engenharia em cinco anos, casado com filhos e sem dinheiro. Talvez um leão seja muito pouco. Do primeiro ao quinto ano fiz tudo que era possível para sobreviver: dei aulas particulares, fui estagiário da Celpa (fábrica de Papel do Grupo Trombini), da Teagasa Paraná, técnico de natação do Círculo Militar do Paraná, vendi um monte de coisas. Mas fiz bons amigos. Devido à natação, na faculdade todos me conheciam. Um desses inesquecíveis amigos foi o Otávio Favoretto, um veterano que cursava dois anos à frente de nossa turma. Em uma conversa com Favoretto, soube que ele trabalhava como fiscal da prefeitura nas obras de construção da nova Estação Rodoferroviária de Curitiba, era responsável pelas medições, coisa que eu nem imaginava o que seria.

Passados uns meses, Otávio me procurou. Sentamos na cantina de faculdade e conversamos novamente. Estava prestes a terminar o curso, iria se demitir, pois recebera uma proposta vantajosa na função de engenheiro. Perguntou se eu tinha interesse em substituí-lo. Era tudo o que eu queria para complementar minha formação profissional e sobreviver. Fui admitido após uma entrevista com o engenheiro Jorge Carlos Schimaleski, responsável da Prefeitura nas obras. Após um tempo de aprendizado com Otávio, antes de seu desligamento, iniciei a executar o mesmo trabalho que ele fazia: manter contato com os projetistas, fiscalizar os trabalhos e executar as medições mensais de serviço. Schimaleski era uma grande figura. Divertido, careca, não fumante radical, sempre reclamava do meu cigarro, vício que me livrei há anos. Pela Construtora Pussoli havia o engenheiro Adônis Milani e o Sr. Ricardo Pussoli, proprietário da empresa, que administrava pessoalmente os trabalhos. Moser era o estagiário da Pussoli. A vivência em um ambiente profissional foi de muito aprendizado.

Em uma obra, a evolução dos problemas e suas soluções exigem dinamismo e interesse de todos. Rapidamente entrei nesse clima e, embora iniciante, participava das reuniões de obra e, no que dependesse de mim, providenciava as soluções. Aprendi que a materialização de um projeto complexo requer, por parte da empresa construtora, muita responsabilidade, desde a compra de materiais e equipamentos à organização e planejamento dos trabalhos. Em poucos dias conheci os principais personagens responsáveis pelo grande empreendimento, na época a maior obra em construção em Curitiba. João Cornachini era empreiteiro de elétrica e hidráulica, Lacaze e Pizão foi a empresa responsável pelo sistema de som. Tive contato com ícones da engenharia paranaense. Rubens Meister, autor do projeto, embora formado em Engenharia Civil, era considerado o maior arquiteto de Curitiba, Paulo Wendler era o responsável pelo cálculo estrutural. Aconteceram situações curiosas, algumas hilárias.

Uns amigos do quinto ano, prestes a se formarem, me perguntaram na faculdade se havia a possibilidade de admitir estagiários na obra. Prometi verificar junto aos engenheiros Schimaleski e Milani. Meus amigos não quiseram esperar a resposta e avisaram que iriam à obra no dia seguinte de manhã para que eu os apresentasse aos engenheiros. Dia seguinte de manhã me procuraram no escritório da obra. Todos muito bem arrumados, apresentei-os ao Schimaleski, que de imediato sorriu. Era um gozador. Fez uma proposta aos rapazes: “-Eu tenho vinte anos de prefeitura, ganho bem, tenho um escritório de engenharia. Troco tudo por sua idade!”. Meus amigos sorriram um sorriso amarelo. Schimaleski emendou: “- Desculpem a brincadeira, mas não há vagas de estagiário.”, e mandou que os apresentasse ao Milani, talvez a construtora pudesse admitir estagiário. Milani era mais gozador que o Schimaleski. Perguntou aos meus amigos: “-Vocês se incomodam de fazer um teste?”. Todos, muito confiantes, aceitaram a teste. Eu era responsável por receber os projetos na copiadora, dobrá-los e distribuí-los. Milani pediu-me que trouxesse um desenho sem dobrar para cada um. Entregou os desenhos aos meus amigos:”-Dobrar conforme as Normas”, disse e me chamou para tomar um café, enquanto os rapazes dobravam os desenhos. As dimensões corretas de dobragem de projetos eram ensinadas no final do quinto ano e, lógico, meus amigos nem imaginavam como era feita.Passados uns vinte minutos, voltamos à sala e, os três haviam dobrado tudo errado. Milani, rindo, disse: “-Vocês querem estágio de engenheiro e não sabem dobrar um projeto?”. Depois, falando sério, Milani convidou-os para tomar um café e disse que, brincadeira à parte, não precisava de estagiários.

Paulo Miorim 18/10/2020.

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 18/10/2020
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