Era uma vez,a Esperança
Adentrando a pequena sala,vê -se logo em primeiro plano,quadros de paisagens rurais e de familiares já idos dessa vida.
Desses de antigamente que era um luxo e um grande sacrifício mandar o retratista compor.
Ali pregados na parede em seus semblantes tristes,parte de história de família.
Já queimando no fogão os gravetos abrasados ,ardiam na sina de fazer ferver a chaleira preta para o mate.
A velha senhora ajeitava a erva na cuia com a peculiar destreza de quem era acostumada ao hábito de toda uma vida.
A visita viera de longe,certamente para pernoitar ,pois haveria de visitar o médico na manhã seguinte.
Tinha um incômodo nos joelhos que a obrigava de tempos em tempos vir se consultar.
Acolhera a boa senhora a amiga de longe,visto que tinham um grau de parentesco que o tempo pôs distância entre ambas.Contudo ainda mantinham um estreito achego...
Sentadas lado a lado no sofá,bastante estragado pelo longo uso,a cuia ia passando,ora para uma, ora para outra.A chaleira no assoalho de tábuas largas e com furos de cupins,como criada à espera de servir seus donos.
Tinham uma velha e sólida amizade,apesar do distanciamento imposto.
Puxando os fios das lembranças,punham-se a relembrar os entes queridos e seus destinos. Alguns bem sucedidos,outros perdidos nas tais estradas largas da vida,como o próprio filho da anfitriã .O livre arbítrio,eis o caso.
Algum riso de vez em quando quebrava aquelas reminiscências amargas…
Algum fato engraçado atravessava a prosa pois a vida não é só tragédias e tristezas,convenhamos !
Falava a visitante de suas constantes dores,do quanto era difícil conviver com a limitação de mover-se,mas se agarrava na esperança de que agora o doutor haveria de acertar no tratamento.
A senhorinha da casa então ,rezou- lhe uma infinidade de chás,ungüentos, alimentos bons para as articulações,porém dava a visitante um certo ar de descrença e botava mais fé nas recomendações do médico. Ouvia mesmo assim as palavras de esperança direcionadas a ela.
A esperança! Essa dama eterna a nos sustentar nos momentos espinhosos.
Passaram o dia entre chimarrão,almoço,café da tarde. Visitaram a horta e sua infinidade de ervas medicinais,o pomar ,os laranjais
e limoeiros já carregadinhos
de frutos!
Sentadas agora na varandinha de cercas azuis,dali mesmo cumprimentavam as vizinhas que passavam ou que paravam para um dedinho de prosa.
Duas vidas ! Cada qual com suas mazelas.
Após o jantar,a receptiva senhora tratou de arrumar um cantinho para sua visita que de fato precisava recolher-se mais cedo,face o compromisso sério de logo mais. Não sem antes escutar da interlocutora uma infinidade de "não carece se incomodar tanto,"qualquer cantinho está muito bom.
O pouco torna -se muito,diante de um bom coração,desses que apesar de toda sua modéstia,reparte,acolhe,abraça.. .
A cortina floral pendurada modestamente num arame,abriu--se…
A figura do filho sai à vista,a própria imagem da desilusão,ainda cheirando a embriaguez crônica e nos olhos a indiferença de quem nem sabe mais de si.
Cumprimentou ainda assim,meio anestesiado a candidata ao pouso.Procurou um café no fogão e se foi sentar-se à varanda.
Haveria luar naquela noite,prometia ser bela a hora noturna.
Dois seres distanciados pela idade,pelo vício,contudo ligados pelo bendito cordão umbilical,que só o fôlego da vida,em seu ciclo natural poderá romper.
Ao voltar a atenção ao filho,dirige -se à varanda em tempo de vê -lo já além do portão,enveredar-se pela rua,rumo à fuga de si mesmo…
Que lhe resta,senão alimentar a esperança de ainda vê -lo voltar uma vez mais?
Trancou a porta deixando o luar inundar o terreiro e acomodou-se em seu pequeno quarto.
Amanhã será outro dia,iluminado ou nublado certamente há de raiar,é o ciclo normal..
Amanhã,dona Ida se vai, ficará dona Esperança a teimar com seu viver!
Leda Mara Oliveira