PRAZER: GIN TÔNICA
OLHEI para o espelho e sorri. Um respeitoso senhor com cabelo branco sentado atrás de sua máquina de costura também sorri. Eu gostei do terno que ele fez para mim e ele do seu trabalho. Era o meu primeiro terno, o paletó acompanhava um colete, a calça era boca de sino, feito em um tecido xadrez miúdo, era a moda. Era início dos anos setenta, mês de Outubro, estava com dezessete anos. Era o mês do Baile das Debutantes de minha cidade e eu havia recebido um convite.
A noite, utilizando-se do aparelho de barbear de meu pai, o qual era guardado dentro de um estojo em couro, fiz a barba. Aliás, fácil de fazer, a barba ainda estava em formação. O estojo de barbear, atualmente, é por mim guardado com carinho e recordação, valor inestimável. No cabelo usei seu óleo de Bourbon. Confesso que me senti um jovem ajeitado.
Não demorou e estava eu ouvindo e apreciando a tradicional valsa vienense dos Bailes de Debutantes. As meninas eram uma mais bonita que a outra, os pais estavam apresentando-as a sociedade com orgulho. Eu e meus amigos estávamos como olho de águia, não escapava nada. Logo a seguir o conjunto, ou banda, como hoje se diz, começou a tocar o musical do maestro Ray Conniff - Bésame Mucho; Solamente una vez; Quizas quizas quizas; entre outras.
Queria dançar, mas minha timidez atrapalhava, impedia. Para resolver o problema, resolvi dar uma mãozinha, pedi uma bebida. Sem experiência no assunto, decidi por Gin Tônica, que também era moda. Pensei: "vão achar que estou tomando água com limão". O pedido deu certo, logo estava dançando.
Os pais das debutantes eram exemplares vigias, nós, jovens, dançávamos bem distantes, bem separados das meninas. O musical passou por Nat King Cole (Unforgettable, that's what you are; Unforgettable though near or far…), Beatles, Elvis Presley e Roberto Carlos. Abro um parêntese para as músicas italianas, Champagne; Roberta; Tanto Cara (Cara ringrazio il cielo che mi ha dato te questa mia vita ora è vita saie...). Poucas pessoas ficaram nas mesas, a maioria dançava. A verdade é que neste momento os pais das debutantes já estavam relaxados, perceberam que suas filhas estavam bem e felizes, não corriam nenhum risco, nesta hora já estávamos dançando bem mais próximos. O Baile foi um sucesso inesquecível.
No retorno a minha casa, tive alguma dificuldade para achar a chave da porta, mas achei. Chegando ao banheiro, olhei para o espelho e sorri tal qual quando experimentei o terno. Desta feita, vi dois personagens iguaiszinhos, um era “eu”. Perguntei ao “outro”: “Quem é você?" E ele respondeu: “Prazer, Gin”. Respondi a ele: “E teu sobrenome como é?". Ele respondeu: “Tônica, meu nome é Gin Tônica”. Então eu disse: “Prazer”, e fui dormir.
Atualmente, raramente me encontro com meu amigo “Gin Tônica”, quando o faço mantemos uma conversa equilibrada e saudável, tão somente para relembrar aquilo que ficou guardado no baú das minhas lembranças. Não nego o meu amor e meu carinho e nem digo que aquela época esqueci que agora machuca meu pranto com jeitinho e deixa meus olhos marejados dos meus tempos de guri. “Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi".