PÁGINA VIRADA
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Dona Elsa subiu devagar o lance de escadas que dava acesso à casa de seu filho. Fazia meses que não o via. “Ele um homem muito ocupado” dizia ela de si para si como que justificando o fato de que o filho raramente a visitava no lar de idosos em que a colocara. Naquela manhã, aproveitando um descuido da vigilância, pegou o pouco dinheiro que mantinha escondido em seu quarto e “zapt”, fugiu. Vagou pelas ruas por algum tempo. Não lembrava o endereço completo do filho. Nos flashes de sua memória só tinha sobrado o bairro “Jardim das Acácias”, era perto do centro. Seus quase oitenta anos já não lhe permitiam ir caminhando, precisava de uma condução. Alguém a ajudou a pegar um ônibus. Já perto do bairro de destino, a memória resolveu dar-lhe um auxilio “Panificadora Rezzio”, leu pela janela e saltou no ponto seguinte. Sabia que era ali perto pois ia com frequência àquela padaria. Pediu um leite com café e uma broa de milho enquanto esperava outra ajuda da memória. Desta vez foi a sorte que ajudou. Dona Clara, vizinha do filho, entrou na padaria e a reconheceu: “Dona Elsa, há quanto tempo!, então a senhora voltou? Como vão as coisas lá em Minas?” Dona Elsa desconversou, “Minas, porque Minas”. surpresa Dona Clara disse “Ué, seu filho disse que a senhora tinha voltado para Minas para viver com uma irmã” – Confusa a velhinha fujona pediu para a vizinha leva-la à porta do filho, e ali se despediram. Parou com a mão direita no ar, hesitando um pouco. E se o filho não estivesse em casa? Não combinava com a nora e temia ser recebida por ela. Dito e feito, Margarida abriu a porta e se surpreendendo com a presença da sogra disse: “O que a senhora faz aqui sua desmiolada, já ligaram do asilo querendo saber do seu paradeiro. Vou chamar um taxi e manda-la de volta antes que o Anselmo chegue para o almoço”. Mas Elsa estava resoluta e entrou porta a dento dizendo: “Só saio daqui quando falar com meu filho, e me dê um copo d’água, estou com sede”. Não vendo alternativa, a nora ofereceu uma cadeira e foi buscar a água. Dona Elsa olhando aquele ambiente tão conhecido, não pode deixar de recordar. Ficara viúva há seis anos, perdera seu marido para o câncer de próstata. A princípio preferiu continuar morando sozinha em sua casa, mas como morava em um bairro de criminalidade alta, seus filhos não concordaram. A filha morava na Austrália, a opção que sobrou foi morar com o filho. Tudo foi bem nos primeiros dois anos, no entanto o seu relacionamento com a nora começou e desgastar naturalmente quanto à administração da casa, criação e educação dos netos. A nora se sentia desautorizada pela sogra, e esta maltratada pela nora. Enfim, nada que já não se conheça em relação a esse conflituoso relacionamento sogra/nora. Por fim, sentindo-se profundamente incomodada Elsa manifestou ao filho que gostaria de voltar a morar em sua casa. Encontrariam uma solução. Uma pessoa para morar com ela, uma cuidadora o que fosse. Sentia-se interferindo no relacionamento do filho com a mulher e queria dar um basta nisso. Os netos já adolescentes cada um ficava no seu canto com o celular, ou computador, amigos nas redes sociais e não tiveram tempo para desenvolver laços muito estreitos com ela a não ser quando eram bem pequenos. Após consultar a irmã, Anselmo optou segundo ele por motivos de segurança, encaminhar a mãe para um lar de idosos, onde ela teria companhia constante, pessoas da mesma faixa etária para trocar ideias e experiências. Decidiram por conta própria, sem ouvir a posição dela. Elsa já estava no lar de idosos há mais de ano. Nesse período a filha não veio ao Brasil, e Anselmo estivera lá umas três vezes para visita-la e, em apenas uma, levou os netos. Como tinha família ela sempre esperava por atenção deles, portanto se sentia muito só e abandonada mesmo rodeada de gente. Margarida voltou dom o copo d’água, e ficaram ali numa conversa protocolar. Da cozinha a nora ligara para o marido e Anselmo chegou mais cedo para o almoço. Cumprimentou a mãe com um sorriso e um beijo dizendo: “Não precisava fugir meu amor, me ligasse que eu ia busca-la”. Contendo as lágrimas a mãe pensou: “Conversa fiada, já liguei tantas vezes e você não atende, ou sempre arranja uma desculpa”. Os netos foram chegando um a um da escola, beijaram a avó como se a vissem todos os dias. Cada um com seu foninho no ouvido e balançando a cabeça “oi vó!” era a saudação. Almoçaram, e logo depois Anselmo ligou para o abrigo avisando que ela estava lá, e que a levaria de volta no dia seguinte quando saísse para o trabalho. – Elsa resolveu descansar um pouco em seu antigo quarto. Tiveram que improvisar uma cama para ela. Tinha virado um estúdio de música para os netos. Ela era página virada…
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