Angola, nossas gentes , nossas histórias( um macaquinho artista...)

Angola e as colônias de Portugal em África viviam em sociedades evoluídas e organizadas, obedientes à ordem e à lei incluindo indígenas. A Lei era para todos.

Obrigatoriamente todos, sem excepção, tinham de pagar o Imposto Geral Mínimo até ao dia 31 de agosto do ano seguinte.Os indígenas também eram cobrados. Sobas, uma espécie de regedor, cobravam na área dos postos Administrativos onde faziam a entrega com o nome do contribuinte e recibo passado. Essa era a condição para terem todos os direitos de cidadão junto à Entidade do Estado:sim cidadãos, e também eles, indígenas, tinham de apresentar o imposto pago para assim serem considerados.Faziam o pagamento nos Postos Administrativos e todas as outras pessoas pagavam na Administração do Conselho.Era assim que a vida acontecia em Angola.

Os indígenas também entravam no Recenseamento Geral da população. Eram os Administradores de Posto que percorriam a sua área administrativa e faziam o levantamento das pessoas e do gado existente.

Apesar de estarem integrados á sociedade, tínhamos consciência da necessidades gritantes que os negros viviam.Salários baixíssimos e sem qualquer perspectiva de uma justiça social.Apesar de tudo isso convivia-se pacificamente numa sociedade organizada e promissora, e na maioria das vezes em clima de reconhecida amizade e absoluta fidelidade aos mais privilegiados: a nós,os “brancos”.Sim, eram pacíficos e acolhedores os que conviviam conosco nas cidades.

Acompanhei meu Pai, tanto quanto a outros profissionais liberais, como testemunha de ajuda profissional a todos os negros que precisassem de serviços.Eles recorriam a nós, eram atendidos e ficavam reconhecidos por isso. Nunca eram cobrados. Nunca! No entanto eram tão agradecidos pelos favores que recebiam que se desdobravam em presentes especialmente pelo Natal e datas festivas.Coisas simples, o que eles tinham deles para dar. Presenteavam a família inteira e muitas das vezes por tempo indeterminado. Nas datas festivas tínhamos a casa cheias de galinhas, leitões , cabritos e muitas iguarias deliciosas.Em muitas das vezes esses reconhecimentos se estendiam além mar e por anos seguidos como por exemplo, após mudança para Portugal algumas pessoas ainda recebiam mimos de Angola, frutas e outras delicias, de angolanos agradecidos.

Entre as lembranças mais bonitas que tenho da minha infância está o dia em que escutei meu pai me chamar para ir à porta da cozinha pois tinha lá alguém que me queria entregar algo. Era um desses negros que tinha recebido dele ajuda profissional e que levava um presente para a filha mais velha, no caso eu.Era um conjuntinho em madeira de sala de visitas de uma casinha de bonecas feita por ele. Até hoje lembro-me da cor do estofado dos sofás:cor vermelha.Fez parte do meu mundo infantil por muitos anos.

Do meu padrinho veterinário, Dr Trigo há uma linda história, de final muito feliz, sobre macaquinho muito doente que ficou conhecida em toda a cidade .

Um dia chega ao meu padrinho um senhor triste, chorando, dizendo que o melhor amigo dele estava morrendo; seu macaquinho. Era desses homens que andavam de terra em terra a fazer circo.

-“Salve-o doutor ele é a alegria da minha vida e eu não posso viver sem ele. É o meu sustento.Faço circo com o meu macaquinho”-E chorava , chorava sem parar o pobre coitado.

O macaco tinha pneumonia e o remédio indicado era penicilina mas, na época caríssima por ser descoberta recente .Claro que o pobre senhor não tinha condições de comprar. Meu padrinho foi à farmácia tirou dinheiro do bolso e comprou a penicilina

E assim foi. O macaquinho se salvou.

“- Como lhe posso pagar doutor? Diga, por favor.”

-“Olha, traz o teu macaquinho no sábado e vais fazer um espetáculo igual ao que fazes no circo para minhas filhas e todas as coleguinhas da escola. Assim o meu trabalho fica pago. O que achas?”

E assim foi. A escola quase em peso assistiu na nossa Moçâmedes a um espetáculo lindo, engraçadíssimo com o macaquinho que se salvou nas mãos de um veterinário que, para além de gostar de animais quis fazer bem àquele povo tão carente.

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Lana

Lady Lana
Enviado por Lady Lana em 15/10/2020
Reeditado em 15/10/2020
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