AMOR SEM RETRIBUIÇÃO

Ela é alta, magra e linda. Desliza pelas ruas da cidade com suas roupas elegantes, como um fio de seda entretecido na tapeçaria da vida.

Cidades são feitas de histórias e a história dela é contada junto às demais como um romance. Ela ama desde a juventude. Desde a idade adulta. E agora, desde a meia-idade. Ama com fidelidade e serenidade, sem desanimar com o tempo, a distância e a falta de reciprocidade. Ama sem alarde, sem confessar mas se entregando em cada olhar, sem surtar e sem chorar.

O homem amado sabe. A trata com respeito, mas mantém a distância. Ele também ama, mas não a ela. Constituiu família e é feliz. Pode ser que sinta piedade; mas ela, alta, magra, linda, nunca despertou nenhum sentimento em si além da cortesia social.

Ela nunca se casou. Não desperdiçou a magia de um sentimento puro com o teatro do casamento. Nunca provocou os ciúmes da pessoa amada. Não se rebaixou a ser menos do que é, uma mulher totalmente apaixonada. Impérios podem se erguer e cair sem mudar um centímetro dessa suave intensidade.

Ele passa por ela e cumprimenta. Ocasionalmente trocam novidades da família. Ela nunca prolongou o escasso contato, nunca procurou sinais de interesse na breve interação. Apenas o desfruta. Sabe que não é amada. Mas se alimenta de todas as vezes em que pode vê-lo, ouvir sua voz, banhar-se de luz na querida presença. Coleciona momentos assim na memória, e isso é tudo que ela tem.

A cidade sabe e respeita. Não dão conselhos, não perguntam e não criticam. Esse amor se impôs como a realidade que é, e desta forma, foi compartilhado nas histórias da cidade. Alguns mais sensíveis suspiram, desejando que finalmente ela tenha o que tanto almeja. Outros são indiferentes. Apontam o cavalheirismo dele, que nunca se aproveitou da situação. Os mais velhos doem-se por tanta juventude desperdiçada. Mas o amor se irradia e lentamente, dobra a cidade com sua presença absoluta. É o que é. Não cabe emendas nem indecisões.

Sempre é vista cruzando a praça, indo do trabalho para casa. Ela sempre anda sozinha. Empresária de sucesso, ex-modelo, filha única apegada aos pais. Tem sua riqueza material e está sempre arrumada para a próxima vez em que vai cruzar o caminho dele por acaso. Deus sabe em que ela pensa enquanto conduz seus passos pelas ruas, pelas praças, pelas passarelas, pela vida. Ela é uma usina radioativa, poderosa em força e sutil nos efeitos, enraizada no querer bem que nunca termina.

Ela é alta, magra, linda e digna.

Tangará da Serra, 14/10/2020.

Lucimara Vaz
Enviado por Lucimara Vaz em 14/10/2020
Reeditado em 26/08/2022
Código do texto: T7087017
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