PARADO POR UMA BLITZ

A Ditadura Militar, no Brasil, se iniciou com o golpe, no dia 31 de março de 1964. Dela resultou o afastamento do Presidente da República, João Goulart, tomando o poder o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco que assumiu o governo. O regime militar teve seu final em 15 de março de 1985, quando José Sarney foi empossado na presidência, dando início ao período conhecido como Nova República (ou Sexta República).

A perseguição de adversários e a consequente prisão e tortura de militantes foram uma constante após o golpe e, entre o final da década de 60 e início dos anos 70, mais de cinco mil pessoas foram alvo de punições, como demissões, cassações e suspensão de direitos políticos. Ao todo, cerca de 166 deputados tiveram seus mandatos cassados. O regime puniu ainda membros em suas fileiras. 6952 militares foram desligados e presos. Fonte:(https://www.dw.com/pt-br/mediateca/todo-o-conte%C3%BAdo/s-100846)

A introdução do assunto feita nos dois primeiros parágrafos foi apresentada aos meus leitores a fim de que possam compreender o que me aconteceu em um deplorável dia, na década de 70.

Em 1969, aprovado no vestibular da Faculdade de Letras da UFMG, iniciei meu curso, visando a alcançar o diploma de Licenciatura em Letras – Português e sua Literatura. Nesse mesmo ano, fui contratado pelo Colégio Desembargador Barcelos, no Bairro Concórdia, em Belo Horizonte, Minas Gerais, como professor de Língua Portuguesa, ministrando aulas para turmas de 7ª e 8ª séries do Ensino Fundamental. A escola já não mais existe. Foi a minha primeira experiência como professor. Tinha eu apenas 19 anos de idade. Naquela época, havia carência de professores no mercado de trabalho. Por isso, alunos universitários, mesmo no primeiro período, conseguiam licença para lecionar.

Pois bem. Foi um período muito gratificante de minha vida. Estava muito feliz. Afinal estava iniciando minha carreira de magistério: um sonho que se concretizava.

As aulas começavam às 19:00 horas e terminavam às 22:45 horas. Naquela época, já havia adquirido um Volkswagen (Fusquinha), comprado à prestação, em um consórcio, juntamente com meu irmão Marinho. Já tinha tirado a minha carteira de motorista. Ia para o colégio, após sair do DER-MG, órgão para o qual trabalhava, após ser aprovado em concurso público. Ia sem jantar. Devorava rapidamente um lanche e seguia para o colégio. Muito entusiasmado e, posso dizer, estava também bastante alegre. De manhã, frequentava a Faculdade de Letras, no horário de 7 às 11 horas, aproximadamente. Era muito sacrifício.

Finalizando mais um dia de trabalho, no primeiro semestre do ano de 1970, após encontrar meu irmão Marinho, no centro da cidade, quando ele acabara de sair de um curso de pré-vestibular, rumamos em direção a nossa casa no Bairro Dom Bosco, nesta mesma cidade. Tinha eu um jaleco branco e, terminadas as aulas, ia para casa vestido com ele. Eram mais ou menos umas 23 horas, quando, ao passar debaixo do viaduto do Anel Rodoviário, no Bairro Dom Bosco, fui abordado por uma blitz do DOPS – Departamento de Ordem Política e Social, que, na época, efetuava prisão de militantes de esquerda. Era um órgão histórico de repressão aos movimentos sociais e populares. Havia vários soldados do exército, fardados, portando pesadas metralhadoras. Imediatamente parei o meu fusquinha e recebi a determinação para descer do carro e apresentar os documentos. Meu irmão também desceu do fusquinha e ficamos muito assustados. Após verificar meus documentos, um dos agentes chegou com alguns papéis, nas mãos, e mostrou a mim e ao companheiro dele que LUIZ GONZAGA DE SOUZA fazia parte da lista de militantes de esquerda. Deveria eu ser preso e encaminhado ao DOPS. Fiquei tremendo de medo, apesar de inocente. Nessa oportunidade, os homens fizeram uma vistoria profunda em meu veículo. Até folhearam meus livros que estavam em uma pasta da Faculdade de Letras, sobre o banco de trás. O agravante era eu ser professor. Achavam que, sendo eu professor, estariam eles diante de um subversivo. Além do mais, aluno da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais... Meu nome, LUIZ GONZAGA PEREIRA DE SOUZA, trouxe dúvida, com certeza para os militares, já que a semelhança para eles era muito significativa.

Os homens conversavam entre si. Vi que o desejo deles era me deter e levar o carro para um depósito. Para onde eu iria? Para uma prisão, é claro. Inocente, pois nada tinha a ver com movimentos contra o governo. No entanto, num ímpeto de coragem, já que eu era um humilde trabalhador, e que jamais tinha me envolvido com militância de esquerda, simplesmente pedi que me devolvessem os documentos e, demonstrando muita firmeza nas palavras, disse a eles: Olhem, estou muito cansado, sem jantar, trabalhei o dia inteiro e preciso ir embora. Meus pais devem estar preocupados comigo. Meu nome é LUIZ GONZAGA PEREIRA DE SOUZA e não LUIZ GONZAGA DE SOUZA. Não é que minha atitude surtiu efeito? O agente, talvez sensibilizado e percebendo que eu era mesmo outro indivíduo, e não aquele cujo nome estava em sua listagem, me devolveu os documentos e, rapidamente, arranquei o veículo e fui embora.

Chegando a casa, meus pais já estavam dormindo. Deixei para contar a eles, no outro dia, o fato ocorrido. Minha mãe, claro que tinha a explicação para aquele desfecho: “Todos os dias rezo para meus filhos quando eles saem de casa. Deus é misericordioso e, mais uma vez, Ele te protegeu.”

Belo Horizonte, 12 de outubro de 2020.

LUIZ GONZAGA PEREIRA DE SOUZA
Enviado por LUIZ GONZAGA PEREIRA DE SOUZA em 12/10/2020
Reeditado em 25/11/2020
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