Um magnífico escândalo


     1. Nos últimos tempos, a maestrina Chiquinha Gonzaga (1847-1935) está presente no YouTube na voz de lindas mulheres interpretando, com suprema perfeição, suas belas canções. 
     Com um leve clique, a gente pode ouvir, por exemplo, o maxixe "Corta jaca", "Ó abre alas" e "Lua branca", para mim sua mas bonita composição, letra e música. 
     
2. Interessante! Sempre que escrevo ou falo sobre Chiquinha Gonzaga lembro-me da Confeitaria Colombo, na Rua Gonçalves Dias, ao lado da Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro. 
     Segundo alguns de seus biógrafos, nessa Confeitaria e adjacências, no final do Século 19 e início do Século 20, a compositora de "Ó abre alas" fez o mais retumbante sucesso.
     
3. Estando no Rio de Janeiro, nunca deixo de ir à Colombo, que conserva a sua fisionomia original, ou seja, do início do Século 20.  Época em que, segundo escritores, a  Ouvidor era o ponto de encontro de intelectuais, que a frequentavam para, inclusive, visitarem suas 50 livrarias. 
     Nessa famosa rua podia ser encontrado, entre outros, o poeta Olavo Bilac, Ruy Barbosa, Coelho Neto e o nosso romancista maior, o inigualável escritor Joaquim Maria Machado de Assis.
     
4. Chiquinha Gonzaga, por essa época, começou a aparecer no cenário musical do Brasil com suas músicas ousadas para seu tempo; como, por exemplo, o samba-rancho "Ó abre alas", segundo o escritor Nelson Mota, no seu livro "101 canções que tocaram o Brasil". Corria o ano de 1899. 
     
5. Embora o "Ó abre alas" lembre imediatamente sua autora, creio que o "Corta jaca" lhe deu igual ou maior visibilidade.  Na despedida do Presidente Hermes da Fonseca do poder, em 1914,  esse maxixe de Chiquinha invadiu o palácio do Catete, história que passo a relembrar, a  seguir, resumidamente. 
     
6. Para recontar esse episódio - hoje desconhecido por muitos brasileiros - recorri à maior biógrafa da maestrina Francisca Gonzaga, a escritora baiana Edinha Diniz.
     A caminhada da autora de "Lua branca" é contada, com precisão e nos seus mínimos detalhes, no livro "Chiquinha Gonzaga - uma história de vida", no elogiável trabalho da Edinha Diniz. 
     
7. Despedia-se da Presidência da República o Marechal Hermes da Fonseca. Casado com uma mulher festeira, dona Nair de Tefé, esta inventou de fazer, exatamente no Palácio das Águias, o Catete, a festa de despedida. 
     Convidou, então, como principal atração, ninguém mais do que o cantor de grande projeção naquele momento, o extraordinário Catulo da Paixão Cearense. 
     Catulo, que acabara de introduzir o violão, um instrumento até então condenado pela elite carioca, no Instituto Nacional de Música, em um concerto inédito. Uma afronta.
     
8. Na festa do presidente que se despedia, Catulo chegou cantando o "Corta jaca", com a ajuda vocal da própria Nair. Foi um escândalo. A sociedade protestou . Um maxixe? Substituíndo canções francesas em festas palacianas?
     
9. Agora, o mais contundente protesto veio de um senador baiano chamado Ruy Barbosa. Da tribuna do Senado da República, Ruy condenou a inclusão do "Corta jaca" na programação da festa de despedida do presidente Dudu, este o apodo que foi dado ao Marechal que dava adeus. 
     
10. Em resumo, vejam o que disse o nosso maior tribuno e respeitavel jurista: O "Corta jaca" é "A mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba. Mas nas recepções presidenciais o corta-jaca é executado com todas as honras de música de Wagner, e não se quer  que a consciência desse país se revolte, que as nossas faces se enrubesçam e que a mocidade se ria!". 
     
11. É fácil discordar do eminente senador na condenação que fez à bela música da Chiquinha.  O "Corta jaca" é, sem dúvida, uma pérola. Ruy fosse vivo, garanto que ele seria o primeiro a bailar ao som do "Corta jaca", pedindo desculpas a nossa Chiquinha Gonzaga.
     A festa da despedida do Presidente Hermes da Fonseca, organizada por sua digníssima consorte, dona Nair  deTefé, foi um "escândalo", que chamo de magnífico.    
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 12/10/2020
Reeditado em 12/10/2020
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