E a geladeira virou ponto de encontro

Os três filhos cresceram, bateram asas e ficou o casal naquele casarão onde imperava o silêncio. Divina era professora aposentada e que de divina tinha pouca coisa. Pelo menos é o que diziam os vizinhos. Jairo, o marido, aposentado de um banco estatal e adorava tudo o que era ilegal. Ou quase tudo. E extrovertido.

Antes da pandemia até que o casal trocava algumas palavras e Divina agradecia quando o marido saia pela manhã para fazer sua fezinha no bicho e voltava perto do almoço. À tarde jogar uma cacheta somando ao argumento de pagar as contas de luz, água e telefone. Aos domingos assistir e gritar em qualquer partidinha de futebol e voltar para casa o mais tardar possível.

Mas chegou a pandemia e os filhos exigiram reclusão. Embora cada um tivesse seu quarto, seu banheiro e sua televisão, os encontros se tornaram cada vez mais frequentes e num mesmo local. Em frente a geladeira. E sem mera coincidência. Era em busca de algum alimento. Independente das horas do dia. Ou da noite.

E era na porta da geladeira que ficava os recados e obrigações. Amanhã pagar o telefone. A filha vai ligar 23 horas. O gás está acabando. Não tem mais margarina. Está vindo mais um neto...

O alarme ocorreu por conta dos agentes da dengue em visita ocasional. Com auxílio de um pé de cabra o vizinho abriu uma das janelas e percebeu a geladeira aberta. O pé de Jairo impedia que a porta fechasse.

As mortes devem ter ocorrido à noite, já que ambos estavam vestidos com pijamas.