VIAGENS E DESENCONTROS.




               Esta semana fiz algumas viagens, uma programada, desejada, cheia de alegria - fui à Natal visitar uma amiga e cunhada muito amada, minha irmã por escolha – Sunally. Como sempre foi muito agradável, ficamos horas a falar sobre a vida, as nossas vidas, as descobertas diárias, os segredos de nossa existência, os desafios, as escolhas, a educação de nossos filhos, os planos para o futuro, as leituras que cada uma está fazendo, enfim, um reencontro marcado pela alegria de poder falar abertamente, sentir-se acolhida, rever meus sobrinhos. Foi uma viagem rápida e extremamente agradável. 

               Na volta meu esposo falou sobre sua cunhada que havia feito uma cirurgia e decidi que iria visitá-la na próxima semana. Planos desfeitos, antecipados, tive que ir antes, fui acordada no dia seguinte com a notícia de seu falecimento, foi difícil acreditar que aquela pessoa cheia de vida a quem visitei há três meses atrás, perdera a batalha contra morte, que seu desejo de viver não fora suficiente. Senti-me profundamente abalada e me dei conta que nunca devemos adiar as nossas visitas, que não podemos deixar de fazer aquela ligação, enviar aquela carta, mandar o e-mail; pode chegar tarde!

               Quantas vezes programei esta viagem e deixei para o próximo feriado, quantas vezes prometi escrever aquela carta e deixei para depois! Hoje, nada mais posso fazer, e quando tudo se foi encontramos o tempo que dizíamos não ter, no meio da correria, fazemos uma pausa e vamos cumprir com nossas obrigações no ritual fúnebre, tão mais importante teria sido a nossa visita em vida, o nosso carinho nos momentos de sua dor, mas não estivemos lá quando ela chorou a despedida de sua filha que ia viajar para Portugal, não estávamos lá para segurar sua mão quando recebeu a notícia de sua doença, e agora, banhados em lágrimas estávamos indo dizer adeus e pedir perdão por adiar nossas visitas, por ter acreditado que nunca seria tarde para sentarmos em sua cama e ficarmos horas e horas conversando e rindo.

               Enquanto viajava pensava que sua morte nos deixara esta lição, que aprenderíamos com essa dor enorme de sua partida a nunca adiar uma viagem ao encontro de quem amamos, que jamais adiaríamos os telefonemas, que não deixaríamos para a próxima semana as visitas que pretendemos fazer. O carro seguia viagem e eu ia lembrando das muitas vezes que estivemos juntas, de nossas conversas, de como ela gostava de dizer o quanto éramos queridos, de seu carinho com meus filhos, da maneira alegre como sempre nos recebia, e senti-me pequena diante de tantas demonstração de afeto, ficou a sensação horrível de ter falhado com ela, nem tive tempo de dizer que estava tudo bem, que minha família estava novamente inteira e em paz, que eu agradecia imensamente todas as orações que me ensinou e que sei, fazia diariamente por mim e pelos meus. 

               Nosso último encontro, sem que soubéssemos que era para sempre, foi diferente, passeamos pelas ruas de João Pessoa, ela levou-me a sua Igreja, apresentou-me seu confessor, seus amigos da igreja, compramos bijuterias, e ouvimos as musicas que alegravam seu coração; falou-me de como estava confiante, de como enfrentara com fé em Deus as vicissitudes de sua doença, das dificuldades enfrentadas com fé e determinação, e eu ouvia tudo admirada com a nova mulher que via diante de mim. 

               Falei de minha admiração por sua coragem, pela atitude madura diante da vida, e pela entrega de sua vida nas mãos de Deus. Naquele momento não poderia imaginar que era nossa ultima conversa. Quando nos despedimos, naquele abraço apertado, naquele beijo demorado, depositamos todo afeto que tínhamos uma pela outra, mas não imaginávamos que seria nosso último encontro!

          Ouvi o celular chamar, atendi, era minha irmã. Estava chorando. Em prantos me disse que papai estava na UTI, e de novo tivemos que mudar a rota da viagem. Ligamos para João Pessoa, nos desculpamos e seguimos para Caicó, precisava ver meu pai, não havia mais tempo para chorar pelo que deixei de fazer, a realidade chamava-me de volta, a vida tinha preferência sobre a morte, e voltamos. Fui visitar meu pai, que vítima de uma cirurgia mal sucedida, está na UTI. Seu estado de saúde é estável, mas inspira cuidados. Com 75 anos, abandonou um tratamento de CA, agora precisa conviver com as constantes internações e complicações outras que vão surgindo, precisamos ser fortes, disseram os médicos, ele não poderá mais ser submetido a cirurgias e terá que controlar as dores apenas com remédios. É a vida se esvaindo aos poucos. 

               Ele ainda não sabe de seu quadro, será comunicado quando sair da UTI, temo por ele e por todos nós. Estive com ele na UTI, ele me disse não saber o que aconteceu, mas que logo estará em casa e que tudo ficara bem, sorri, não tive coragem de dizer que a cirurgia não acontecera, que ele fora fechado sem que lhe tirassem o mal que o incomodava, senti que as lágrimas começavam a brotar em nossos olhos, apertei-lhe a mão, pedi a bênção e sai. Não agüentaria continuar ali, precisava sair e chorar meu medo de perdê-lo, de vê-lo sofrendo. 

               Fui ver minhas irmãs, e a esposa dele, despedi-me e viajei de volta para casa, pedindo a Deus que o celular não tocasse e que mais nada me acontecesse nessa viagem de tantos desencontros.




** Ai está a explicação para minha ausência em vossas escrivaninhas, mas aos poucos colocarei em dia a leitura, é uma forma de repor minhas energias! Abraços.**
Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 24/10/2007
Reeditado em 14/02/2009
Código do texto: T708360
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