A Dança

A Dança

Ele dava um passo para trás, pisava de lado e dava outro passo para a frente. Noutro movimento, acelerava os passos, parecendo pretender uma pequena corrida, mas seu corpo não mantinha o equilíbrio e por isso ele dava um ou dois passos para trás. Às vezes resmungava alguma coisa e tentava se escorar na parede dos prédios, ou mesmo se abraçava com um poste.

Passava um pouco das 14:00 horas e o sol estava castigando aquele lado baixo da cidade. As cigarras de verão faziam intenso e quase irritantes chiados, rogando por uma chuva que nunca vinha.

Empapado de suor e com as roupas cheias de poeira, eu me sentei à sombra de uma aroeira de espinhos, situada bem ao centro do terreno inclinado, onde estava capinando para seu proprietário plantar feijão. Depois de tomar uma caneca de água, palpitei por um cafezinho, enquanto desfrutava da sombra e olhava ao meu redor. Foi aí que olhei para a rua, uns quarenta metros abaixo e tive a sorte de ver o elemento.

Era um homem moreno, mais para magro do que gordo, cabelos secos, estatura mediana e bem vestido, em minha opinião. Como era um fim de semana o trânsito estava calmo e isso lhe permitiu bastante espaço para seu cambaleio, que aliás mais parecia uma ensaiada dança. Tudo indicava que se tratava de um sujeito trabalhador e respeitoso. Talvez excelente profissional e até (quem sabe?), um bom pai de família, que se aproveitou de um tempo livre para tomar algumas biritas a mais, e dar extravaso às lutas e labutas do seu dia a dia.

Duas senhoras que vinham em sentido contrário preferiram atravessar a rua, no intuito de fugir daquele indivíduo que lhes parecia um intruso que não deveria estar naquele cenário. Elas o encararam ao se cruzarem e olharam para trás, fazendo comentários de censuras. Nesse momento, o elemento dançarino estava falando ao poste da esquina, com seu dedo em riste, como se lhe dando bronca, ou conselho.

Achei tudo aquilo muito engraçado, e em minha mente eu o aplaudi, com um fio de sátira e admiração, agradecendo pelo belo e gratuito espetáculo. O elemento parece ter me ouvido, telepaticamente, e com leve gingado de corpo para a direita, um passo para trás e uma mirada em minha direção, abriu um pouco os braços, encurvou-se para a frente, num gesto de agradecimento como fazem os atores em teatros, esboçou um leve aceno com a mão direita, como numa despedida e em seus passos trôpego virou a esquina.

(Pardon)

( Pardon )
Enviado por ( Pardon ) em 08/10/2020
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