Fuscas, guitarras e perucas.

Luis apaixonou-se por “rock and roll” desde a primeira vez que ouviu “Satisfaction” com os Rolling Stones, tinha uns 11 anos; a partir daí teve um dos poucos conflitos com os pais porque queria deixar o cabelo crescer. Estudou tudo sobre “rock” na Biblioteca Municipal quando ia fazer trabalhos escolares, seus pais eram exigentes e sempre repetiam – “tem que estudar, tem que estudar”.

Foi assim que descobriu Rosetta Tharpe, a líder gospel negra que brincava com a guitarra enquanto cantarolava seus hits durante os cultos que dirigia, muito antes de Bill Haley, Chuck Berry, Little Richard e outros. Tão logo juntou dinheiro, economizado das suas mesadas, comprou guitarras, bateria, e um kit de som para iniciar sua banda.

Mesmo tocando mal e cantando pior, era o protagonista da trupe, afinal, era o dono do fungagá.

Queria que fosse sério, mas a rapaziada sabia desde o começo que aquilo não daria em nada.

A banda deu um tempo quando Luis entrou no cursinho; os pais insistiam no conselho, “tem que estudar, tem que estudar”, o mantra mais ouvido em sua bela casa.

Mal tinha completado 19 quando entrou na faculdade de direito e teve raspada a cabeleira no trote do qual não conseguiu escapar. Na convocação para o serviço militar, seu pai havia dado um jeito conversando com autoridades amigas; jurou a bandeira com a cabeleira presa por grampos emprestados pela irmã, um sargento metido a bravo percebeu e quis enquadrá-lo, mas foi aconselhado a não se meter com o filho do comendador, resignou-se.

A banda esteve parada por quase um ano enquanto a cabeleira do astro crescia e ele se adaptava ao ritmo da universidade, afinal o antigo mantra não havia deixado de ser repetido – “tem que estudar, tem que estudar”.

A essas alturas Luis havia ganhado um carro do pai. Além do rock, havia arranjado uma segunda paixão, o fusca azul marinho do qual morria de ciúmes. Quando pode trocar de carro, comprou outro fusca do qual cuidava com a mesma atenção. Ao trocar de carro pela segunda vez, comprou outro fusca, este mais novo e tratado ainda com mais cuidados; ganhou o apelido de Luis dos fuscas.

Ele já estava no final do curso quando descobriu algo desolador. Seus cabelos estavam caindo aos tufos. Mudou de salão em busca de uma saída e de nada adiantou. Nem aplicando aqueles cremes caros encomendados de Nova York e Paris a um comissário da Varig que fazia dinheiro entre patricinhas, mauricinhos, dondocas e roqueiros de butique dos anos `80 deram jeito. Uma calva incipiente avançava pelo frontal deixando a pele lisa e brilhante onde antes havia cachos volumosos.

A inconformidade era maior porque seu pai mantinha a cabeleira intacta, farta de cabelos brancos, herdara a careca do avô materno. A revolta era maior, pois nem os tios maternos tinham carecas tão reluzentes.

Fez análise por dois anos antes de adquirir as primeiras perucas, uma para cada ocasião; uma delas era especial para suas apresentações musicais, implante nem pensar, tem medo de agulhas. Sua banda voltou a tocar em festinhas fechadas ou com a turma da faculdade.

Quando passou no concurso do Ministério Público, deixou de usar fuscas e diminuiu as apresentações musicais quase a zero. A cabeleira falsa segue usando como se ninguém notasse.

Em sua sala de estar mantém fotos de fuscas, num canto cavaletes sustentam três guitarras antigas e raras, em seu closet inexpugnável, uma coleção de perucas para todas as ocasiões; dizem que tem até pra ir à piscina e à praia.

Entre fuscas, guitarras e perucas, o agora magistrado segue a carreira.