MEU SINISTRO

Faz tempo conheci um cara em um boteco lá de Catalão. Antes eu não o conhecia. Não lembro mais nem o buteco, talvez só a circuntância etílica. Aliás, nunca o conheci, nem sei se lembro direito a circuntância... Era, se bem me lembro, um amigo de um um amigo de algum amigo meu. Mas tive a impressão de já conhecê-lo. Um déjà-vu.

Nos apresentamos e nos cumprimentamos, então ele me disse:

_Você parece gente lá do interior do Paraná. Você é de lá?

(...)

Bom, eu me pareço com gente. E isso já é alguma coisa. Mas como será alguém lá do interior do Paraná? Como será que eu me pareço? Têm muitas diferenças entre alguém do interior e do exterior do Paraná? Onde será que o interior do Paraná começa? Será que longe de Curitiba? Então imaginei um lugar como Guarapuava ou Prudentópolis... Que são os lugares mais no meio do centro do interior do Paraná que eu conheço. Lá dos backlands da fabulosa terra leminskiana e morista. Lá deve estar meu outro eu, meu antípoda, meu dúplice, meu símile, meu Doppelgänger. Todo mundo deve ter um Doppelgänger. Pensei, eu acho , que será que ele está aprontando com meu CPF? Não! Eu mesmo aprontei com o meu CPF. Eu devo ter aprontado com o dele. Já me acharam parecido com árabe, japonês, polonês, grego e até com o Pablo Escobar, ou qualquer coisa entre um pão de queijo, uma melancia, ou uma rolha de poço. Mas aqueles galegos lá de Antióquia, daquelas esculturas e pinturas do Fernado Botero, no interior do meio da beirada da Colômbia, moram muito longe do interior do Paraná.

Então fiquei curioso: como afinal eu me pareço ou apareço? Como será que é alguém lá do interior do centro do meio das beiradas do Paraná?

Paraná que nada! Eu sou goiano. Meu povo veio todo lá de Minas. Dali de qualquer lugar entre as nascentes do Rio Paranaíba e do Rio São Francisco. Os antepassados conhecidos desse meu povo não ultrapassam as fronteiras de Minas, antes de chegar em Goiâs. Devo derivar geneticamente de Luzia, de perto dos confins de Cofins. Até o Paraná tem um São Paulo inteiro para atravessar. Na verdade, até então eu me achava exatamente idêntico com aquele sujeito que achou que eu era parecido com alguém lá do interior do Paraná. Será que aquele sujeito era meu antípoda, meu Doppelgänger? Os antípodas são nossos reversos, nossas tripas imundas. Pode ser, ele era canhoto, eu sou destro. Ele direito, eu sinistro. Eu Vila Nova, ele Coritiba. Ele motorista de ônibus, eu sem carteira nem beira. Mas acho que não. Antípodas não podem se encontrar, pois eles estão nos contra-pés uns dos outros. Seria até perigoso, encontrar um antípoda, é como romper a velocidade da luz, saber o verdadeiro nome do que não tem nome. Dá em Big-Bang! Num colapso subjetivo.

Acho que nunca poderei saber como pareço ser. Meu espelho é paranaense. Se um dia eu for ao interior do Paraná, meu antípoda certamente lá não estará. Meu espelho deverá estar em Goiânia comprando roupa barata na Feira Hippie, enquanto eu estarei atravessando o interior do Paraná para ir comprar muamba eletrônia em Ciudad del Este. Também não interessa saber como me pareço, pois nem sei como sou. Quero quebrar todos os espelhos da alma.

Mesmo assim, talvez por precaução ou medo perguntei: você é aqui do interior do Goiás?