O amor que nós deixamos passar
Por via de regra não gosto de mexer no celular enquanto ando de ônibus por Belo Horizonte. Minha diversão, como faço desde pequeno, é olhar para as pessoas. Também não gosto de fones de ouvido, não consigo ler durante a viagem e reservo meu tempo para ver a vida ao meu redor.
Naquela tarde não seria diferente quando escolhi o último banco do lotação e fui sentado ao atrás de um homem negro de meia idade. Ele vestia uma calça jeans clara, uma camiseta branca, tinha um rosto maduro e um olhar triste. Não sei bem o motivo, mas vejo uma certa dor anônima nos olhos de gente muito madura. Afinal, vivemos num mundo que cultiva o apreço pela juventude e pela beleza. No emprego, no amor, nos filmes, na mídia e em tudo. Como se a vida em geral e o amor fossem feitos para homens e mulher com corpos esculturais, jovens e brancos. Ou talvez o homem tivesse perdido um filho. Perdido a mãe. Sei lá. Sei que notei uma expressão desenganada nele. Também não era um negro de porte atlético e bonito, mas sim um senhor. Um pai. Marido talvez.
Notei que uma mulher no banco no corredor do lado o observava com desejo. Buscava nos olhos dele uma reciprocidade, percorria com o olhar o corpo dele, admirada talvez com o aspecto másculo e viril. Ela era loira, vestia branco, talvez fosse uma enfermeira ou coisa parecida. Ela era jovem. O homem foi maduro o suficiente para perceber o olhar dela, mas não teve energia para reagir. Fiquei pensando o que seria deles se de repente, num passo de ousadia, ele a convidasse para uma cerveja ou um pastel com caldo de cana na pastelândia. Quem sabe ele lhe sondasse o número de telefone, WhatsApp, Facebook ou ele a buscaria no trabalho. Não aconteceu. Ele desceu num ponto e ela num outro mais adiante. Talvez nunca se encontrem novamente.
Na vida estamos sempre prontos pra responder a um desaforo. Pode ser no trânsito, no bar, em qualquer parte. Diante do amor ficamos mudos. O mundo nos sorri, mas a gente não sabe retribuir. Coisas simples como dizer o nosso nome para alguém, perguntar o da pessoa. Felizmente, essa não será a única oportunidade na vida daquele cara e nem daquela mulher. Ainda bem.
Trilha sonora da coluna de hoje: “Love comes to everyone”, do George Harrison.