CERTO TIME INCERTO

Sugeri este título a meu amigo Tiago para o texto a seguir, que ele escreveu, mas não se decidia a intitular. O jogo de palavras o agradou e bem reflete a trajetória errante do América Futebol Clube, de nosso bairro, a Tijuca. A sina desse time tão simpático (cabe reconhecer) sempre foi de nadar, nadar, para morrer na praia enquanto a de Tiago foi abandonar o barco das Laranjeiras, por sorte temporariamente*, para sofrer em terra de Campo Sales.

(...)

1960 foi o ano da grande tapeação. Depois de 25 anos de secura, a horta rubra produziu o que parecia apetitosa cenoura. O América, campeão no Rio pela última vez em 1935, chegou ao sonhado título carioca. Além disso, converteu-se no ganhador do primeiro título do novo estado da Guanabara. Conquista histórica que vinha somar-se à de 1922, no Centenário da Independência.

Que prazer! Que felicidade para a criança que havia trocado de clube no ano anterior, apesar dos alertas do pai, experimentado torcedor do Mequinha! Demonstrando sua empolgação infantil com certos nomes próprios, o pequeno iludido preferiu Pompéia, Lúcio e Calazans aos antes venerados Jair Santana, Telê, Castilho e Pinheiro. Pobre coitado!

A cenoura mal deu para a entrada. O prato principal, que seria a conquista de outras glórias, jamais foi servido. Sobremesa então, nem pensar!

Tudo bem que o time ganhou a Taça Negrão de Lima, em 1967, derrotando o Huracán, da Argentina, o Nacional, do Uruguai, e o Vasco da Gama. Também coletou a Taça GB de 1974, a Taça Rio de 1982 e, nesse último ano, o curioso título de Campeão dos Campeões, espécie de segunda chamada do Campeonato Brasileiro, para preencher espaço vago na programação esportiva, na “melhor” tradição caça-níqueis do futebol pátrio.

Foram alegrias passageiras, no entanto, meros tira-gostos para quem aspira a saciar o apetite futebolístico com mais proteína.

Ademais da ausência de títulos mais substanciosos, o menino amargou, junto com a torcida, a eterna tendência do clube a desfazer-se de seus principais jogadores e a triste situação de passar 364 dias sem vencer uma partida sequer em 1965. Só não completou um ano inteiro graças à magra vitória de 2 a 1 sobre a equipe da Portuguesa do Rio.

Durante os anos 60, dava dó ver o êxodo dos craques rubros. Djalma Dias saiu para o Palmeiras; Leônidas, para o Botafogo; Amorim, para o Flamengo; Abel, para o Santos. Isso apenas para citar alguns dos nomes mais conhecidos.

Em 1968, houve um fio de esperança. Na eleição para a presidência do clube, conseguiu-se despachar Wolney Braune, que mostrara, em suas seguidas gestões anteriores, maior interesse pelas atividades sociais do que pelo futebol. Como fruto da restabelecida prioridade no nobre esporte bretão, o América montou, em 1969, um elenco competitivo, com base principalmente em jogadores egressos das divisões inferiores, como os bons laterais Paulo César e Zé Carlos, o meio-campista Renato (irmão do botafoguense Amarildo) e o habilidoso atacante Jeremias, que chegou momentaneamente a ofuscar o ídolo Edu.

Por falar no pequeno notável, vale reconhecer que Edu formou, ao lado do irmão Antunes e dos ponteiros Joãozinho e Eduardo, ataque que fez a torcida sonhar com o título, em 1967, da Taça GB, então competição mais significativa, disputada à parte do campeonato carioca. A equipe, muito jovem e inexperiente, esbarrou, contudo, no poderoso time do Botafogo, de Manga, Gérson, Paulo César Caju e companhia. A perda da final da Taça abalou o moral do elenco americano, que fez campanha pífia a seguir no campeonato.

Em 1969, a história parecia que iria ser diferente. O América mostrou um conjunto bem estruturado sob a batuta do veterano treinador Flávio Costa e só perdeu a liderança na última rodada do turno. A débâcle ocorreu no returno, com a queda de produção de Jeremias e toda a equipe (conquanto Edu houvesse ressuscitado e reeditado algumas de suas melhores atuações. O atacante de bolso viria a ser artilheiro do campeonato brasileiro no segundo semestre daquele ano). Mais uma vez, a desculpa consistiu na juventude e inexperiência dos jogadores - sic.

As braçadas rumo à morte na praia prosseguiram em 1970 e1971, quando elencos promissores montados respectivamente por Oto Glória e por Zizinho não passaram desse estágio: promessas. A alta rotatividade do elenco também prosseguia. Despontavam jogadores vindos da base, como Tarcísio e Antônio Carlos, além de um ou outro contratado, para em breve partirem de Campos Sales com destino a rivais mais poderosos. Dos que, além de Edu, permaneceram longo tempo no clube, Alex e Tadeu merecem destaque. O primeiro, por uma década, defendeu a zaga central com segurança somente abalada quando exposto a atacantes velozes como Dé (que depois veio a ser seu companheiro de equipe, para alívio do zagueiro). Tadeu, meio campista muito técnico, permaneceu pouco menos que Alex, mas teve de transferir-se para o Grêmio gaúcho, em 1976, para enfim saborear um título estadual em sua carreira.

Culminando o drama americano, novamente a equipe tijucana foi remodelada e fortalecida em 1974, no que seria o último campeonato da Guanabara, pois já estava definida a fusão com o estado do Rio. O time rubro era tão bom que analistas chegaram a estimar que o primeiro campeão da Guanabara também poderia ficar com o derradeiro título. O América ganhou a Taça GB e realizou brilhante campanha (foi o único dos grandes do Rio a não perder ponto para os chamados “pequenos” e disputou as finais dos três turnos), mas... Sempre parece haver um “mas” para tristeza dos torcedores do Mequinha. A equipe, formada por Orlando, Alex, Ivo, Bráulio, Flecha, Edu, Luisinho e companhia, perdeu todos os seus jogos para o Flamengo, inclusive nas decisões finais, e deu adeus ao campeonato (ironicamente, sucumbiu ante rival que, até os anos 60, tinha fama de seu freguês).

A criança que se empolgara em 1960 começou a ter suas convicções abaladas. Após a frustração de 74, especialmente, passou a acompanhar o time com decrescente entusiasmo. À medida que amadurecia, em sua fase adulta, germinava a ideia de mudar para melhor, o que se compreende bem em termos de comportamento humano.

Certa teimosia ainda o levou a insistir no erro em 1982, quando Lúcio Lacombe conseguiu reerguer o América à condição de sério concorrente ao título carioca com jogadores de reconhecido valor, como Pires, Elói, Moreno e Gilson, aos quais se vieram somar, em 83, o atacante Luisinho, na terceira passagem pelo clube, e o lateral Jorginho, “prata da casa” e campeão mundial de juniores pelo Brasil.

Precisa dizer que deu tudo na mesma? Infelizmente, assim foi. Desiludido de vez e já sob a responsabilidade de pai, que deve zelar pelo futuro dos filhos, o torcedor pediu perdão aos céus e, tal qual filho pródigo, retornou ao seu antigo solar das Laranjeiras. Sentiu-se regia e imediatamente recompensado com três campeonatos cariocas e um brasileiro.

Não obstante, sempre guardará carinho, em seu coração revitalizado por sangue tricolor, pelo tradicional clube do seu bairro. Afinal de contas, por passageiras que hajam sido, desfrutou das alegrias proporcionadas pelo América, na forma dos gols e dos dribles dos antigos ídolos, bem como de ocasionais vitórias deliciosas, a exemplo de uma contra o Flamengo em 1969: o time rubro-negro martelou, martelou, mas saiu derrotado por “Umzão” (golaço de Jeremias) a zero. Roberto, o improvisado goleiro americano, jovem de dezessete ou dezoito anos, parou o ataque adversário com uma “leiteria” de fazer inveja ao inigualável Castilho.

Além de tudo, foi um privilégio o convívio com a simpática torcida rubra. Bola pra frente, minha gente!

(...)

Relendo o relato de Tiago, observo a curiosidade de ele haver trocado o Fluzão pelo América por volta de 1959, quando o primeiro foi campeão carioca, e voltado ao berço tricolor após nova conquista do título do Rio pelo clube das Laranjeiras em 1983. Amigo, seu belo destino é ser Fluminense, assim como eu.

* Quem quiser saber um pouco mais da virada e revirada de casaca, pode ler “Quem não viu nem jogou futebol” no livro de JAX, Ibitinema e Outras Histórias, ed. Lamparina Luminosa, SP, 2016.