Esquisito, é pouco!



Assim que saiu à rua, achou tudo muito esquisito! Pessoas que não conhecia nem de vista, na contramão do fluxo! O trânsito de carros também estava atípico. O que teria acontecido?
O céu nublado reforçava a ideia de que estava saindo para a caminhada no horário de sempre.
É isso, pensou, estou no horário certo. O fato é que as pessoas já estão voltando às suas atividades no “novo normal” das coisas. Até os passarinhos já devem ter voltado às rotinas antigas, não ouvia a zoada costumeira.
Andou mais alguns metros e deu de cara com um ex-vizinho, que encontrava sempre. Que, admirado, lhe diz:
— Atrasou-se hoje, Dona Vanda?
Apressada disse que não. Mas, ao mesmo tempo, ficou intrigada.
Imediatamente, ele reage dizendo que já passava das cinco e meia.
Sem argumentos, apenas sorriu sem graça. Estava deveras atrasada, essa era a razão das esquisitices daquela manhã. Atrasara um pouquinho, e o cenário havia mudado.
Dá uma desculpa qualquer e, de pronto, seu juízo dá mil voltas, em busca da razão do atraso. Reconhece, sem grandes esforços, que se demorou mais do que de costume, para sair de casa.
Não bastasse a chateação, começou, instintivamente, a apertar o passo para compensar o tempo perdido.
Nunca fora afeita às rotinas, detestava tudo o que a condicionava, mas começava a pensar que vinha se adaptando demais a certos hábitos.
Afinal o que havia demais num atraso de meia hora? Não tinha compromisso marcado com ninguém, não deixara criança chorando, e muito menos panela no fogo!
Desacelerou, enquanto elencava uma série de condições que justificasse essa predisposição: não havia a necessidade de pressa alguma; aliás, tinha tempo de sobra para o resto do dia, portanto, nada de chateação.
Mudou a rota e começou a prestar atenção às novidades do caminho, tentando esquecer o ocorrido. Mas, de repente, se apercebe, de novo, cumprindo uma rotina. Não era isso que queria para si. Ficou irritada só em perceber o repisar dos passos.
Mil questionamentos surgiram. Por que criamos rotinas? Será possível viver sem um cronograma de atividades? Por que damos tanta importância ao tempo (ou ao controle e organização dele)?
Sempre acreditou que o tempo fosse relativo. Contudo esse mesmo tempo tem-na torturado em demasia, a ponto de repensar seriamente essa teoria.
A razão fala (ou será que grita?) suas regras, e é preciso reconhecer, sem sombras de dúvidas, que a rotina acelerada em que ela vive está intrinsecamente ligada a sua ansiedade — antigo mal que a acompanha desde sempre. E tem mais: sabe que não a leva a nada de bom e, embora não seja privilégio só dela, sabe que, mais do que ninguém, a não ser ela própria, poderá amenizar essa agitação louca.
Sente falta do colo materno. Volta no tempo e se lembra de como era bom, na infância, quando bastava despejar os problemas no colo da mãe, e tudo se resolvia, num piscar de olhos. Simples assim. Respirou fundo, buscando alento para a alma.
Já bem perto de casa, sente um cheirinho gostoso de café… Lembrou-se de que ainda iria preparar o seu. Começou a listar, mentalmente, afazeres vários que ainda a esperavam para aquele dia, sem se dar conta de que eram todos parte de sua inexorável rotina.
Entrou ligeira no elevador. Mirando-se no espelho, pergunta para o próprio reflexo:
— Quem inventou regras tão diferentes para crianças e adultos?
Vanda Jacinto
Enviado por Vanda Jacinto em 06/10/2020
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