A REVOLUÇÃO DOS PET'S
Outro dia uma Afghan parou o seu conversível no farol da Shaftesbury Avenue com a Wardour Street. Com a ponta das unhas sentiu a textura e o volume dos pelos, testou pelo olfato o perfume do xampu. Aproveitou o espelho para retocar os cílios fazendo uma careta cômica. No banco do carona um filhote humano observava a paisagem com cara de idiota. Logo atrás, um Rottweiler de olhar frio e aspecto profissional fazia a escolta motorizada.
Na praça, um bando de humanos lutava ferozmente com unhas e dentes pela atenção de uma fêmea exuberante e voluptuosa. Ao fundo, um humano velho e decrépito de vestes rotas, olhar vazio e dedos magros considerava a possibilidade de entrar na disputa, por fim, contentou-se em revirar o lixo em busca de alimento. Um Pastor enorme, com sua intocável capa preta acabou com a arruaça e assentou um vibrante pontapé no velho que saiu arrastando as pernas cambadas e ganindo palavras inexprimíveis.
Na faixa, um Dobermann com cara de “gentleman” impecável em seu Desmond Merrion desfilava ao lado de uma poodle e uma maltês, ambas de uma plumagem branca de doer os olhos. Um Pitbull caramelo de porte atlético e altivo, sem pejo, lançou um olhar lascivo para a Afghan mas o filhote humano esbravejou furiosamente. Uma Persa, muito gata, muito aristocrata, de olhos cor de mel, destilando simpatia juntou-se ao grupo. Ambos seguiam para o Queen”s Teatre para assistirem a uma peça de um famoso ensaísta contemporâneo.
Enquanto isso, no Regent’s Park, um velho excêntrico e mal-ajambrado compartilhava um sonho que tivera na semana anterior em uma reunião clandestina de farroupilhas. Limpou a garganta e disse com voz cava: “Então camaradas, qual é a natureza de nossa vida? Enfrentemos a realidade: nossa vida é miserável trabalhosa e curta...” 05/10/2020. J.A