Minha gentes, minha terra( a casa do Sr Antônio)

Como falar dos nossos cantinhos preferidos no Distrito de Moçâmedes/Angola/África, sem lembrar e contar muitas histórias de Vila Arriaga, a nossa Bibala?! Era um pouso de descanso para quem andava naquelas antigas estradas de terra batida, mato a dentro, principalmente quando se subia ou descia pela serra da velhinha Chela a caminho da Huíla ,antes da construção da linda e faraônica ( quase),serra da Leba.

Antes de tudo um ponto de descanso rápido, na maioria das vezes para se fazer uma refeição ou tomar uma bebida fresca; sim, um local muito, muitíssimo quente.Eu derretia de calor quando passava por lá .Tínhamos mesmo que parar.

Independente desta quase obrigatória paragem naquele local tão gostoso, havia ali perto o posto administrativo do Virei , também local de passagem, que dava àquela região sua merecida importância. E. mais perto ainda, e já no caminho de subida da Chela, o Posto Administrativo do Cainde ou Djambatai. Aqui, no sopé da serra, o Bruco, existia uma picada que, passando pelo Tchivinguiro ia ter à Chibia já no Distrito da Huíla. Que aventuras, por ali! Só entrava naquela picada( desvio) quem tivesse um Jeep com tração às 4 rodas e fosse em 1ª marcha.

O Cainde pertencia ainda ao Concelho de Moçâmedes e havia por ali uma meia dúzia comerciantes.Era uma reserva de caça bem cuidada e importante por causa dos rinocerontes que ali existiam em tempos mais longínquos..

Numa das minha histórias contei sobre o rinoceronte que os espanhóis subiram para tirar fotos...Foi por perto . Para os lados do Virei, mais precisamente, na zona do Hapa entre o Caraculo e o Virei

Nesta região, um local também de grandes rebanhos de cabeças de gado, não só dos nativos mucubais como também de comerciantes de Moçâmedes existia um atendimento público, um sistema médico/sanitário muito eficiente. Um dos criadores de cabeças de gado bovino era o Sr Venâncio, um grande comerciante da minha terra.O meu padrinho, veterinário Dr Trigo, e amigo pessoal do Sr Venâncio deslocava-se até lá muitas vezes para vacinar e cuidar do gado. Tal como era hábito nas famílias daquela época nessas viagens curtas, de trabalho, formava-se uma autentica romaria: levava-se a famila toda( quase toda) e ainda os empregados para cuidarem das meninas como era o caso do fiel cozinheiro Francisco que não deixava a responsabilidade da pequena Marilia e da Luisa para outros. Era fácil encontrar um lugar onde ficar em Vila Arriaga .Eram sempre convidados pra pernoitar na casa de um empregado do Sr Venâncio, Sr Antonio Duarte. Esta casa, com um pátio onde havia uma mesa de gamão sempre ocupada pelos velhotes, era abrigo de todas as famílias que precisavam ficar por mais tempo em Vila Arriaga.Assim, a casa do Sr António adaptou-se a isso e não se tiravam os pratos da mesa, nunca. Servia-se comida sempre quentinha as 24 horas do dia. Sem mesmo se precisar bater á porta, entrava para comer quem quisesse mas, com uma particularidade. O cardápio não variava, era sempre a mesma comida: frango assado e arroz de cabidela( ao molho pardo) era a especialidade que aquela boa gente preparava para os amigos. Quem conheceu estas iguarias na casa do Sr Antonio de Vila Arriaga, empregado do Sr Venâncio diz que não havia nada no mundo que se comparasse. Acredita-se que sim! E ainda outra novidade; não havia quem fosse embora dali sem levar um franguinho assado embrulhado em duas fofinhas folhas de papel pardo. Delicia das delicias, só em se olhar aquela gordurinha ensopando o papel!...

E assim também aconteceu no final da viagem do meu padrinho e suas filhas. Marilia e Luisa lembrando que poderiam aliviar o trabalho da mãe ao chegarem a casa para o jantar, aceitaram de bom grado aquele franguinho já devidamente embrulhado. E, lá foram eles com o frango ao colo do Francisco e todo aquele delicioso cheirinho pelo carro.

Chegando à entrada de Moçâmedes Marilia pediu que parassem pois reconheceu imediatamente o local onde Francisco morava, a sanzala perto do cemitério e de um simples restaurante onde meu pai ia pegar os caranguejos para ela. Era um carinho do meu pai e que ela não esquece jamais.

E assim foi...

-“ Olha Francisco, ficas já aqui pois já trouxemos o jantar e tu não precisas cozinhar.Assim , não tens de voltar para tua casa depois a pé a altas horas da noite”. – disse a Marilia.

-“ sim, menina Marilia.Muito obrigada.Aqui está o frango. “

Quando a Marilia olha para as mãos do Francisco cheias da gordurinha daquele frango...Ai que dó! Começa a pensar na familia que ele tinha em casa e ficou cheia de pena .

-“ Olha, Francisco, leva o frango contigo. É para o jantar da tua família”.

E pronto,tudo resolvido e foram em frente.

E assim acabou aquela viagem a Vila Arriaga: sem o jantar e sem o cozinheiro!

Comer outro frango assado igual àquele, assim como o arroz de cabidela, só voltando lá.

Pelo que me foi informado ainda existem na Bibala moradores descendentes do Sr Antônio Duarte. Será que se mantém o hábito do “senta à mesa quem quer” e das 24 horas do dia com comida pronta ?

Só indo lá para conferir!

Lady Lana
Enviado por Lady Lana em 05/10/2020
Reeditado em 10/10/2020
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