O mistério

Um vendedor ambulante sai de casa cedinho e vai vender em via pública suas laranjas. Como agravantes, é num domingo, quase 10h e o sol está revoltoso. Enquanto a maioria das pessoas está guardada, descansando, separando a roupa com a qual irá à missa, esse trabalhador promove sua propaganda boca a boca, porta a porta, a fim de vender suas laranjas e, desse modo, garantir sua sobrevivência num mundo dominado pelas finanças.

Não há nada de novo nessa cena, como atesta nosso cotidiano. Esses episódios envolvendo vendedores ambulantes em vias públicas, ainda que aos domingos, são comuns. Quase todos já vimos um desses trabalhadores informais trabalhando em pleno domingo, sob sol escaldante, longe das missas e dos domingos dominicais. Não há mistério por trás dessa realidade. Sabemos a que ela se deve; sabemos a carestia que move o mundo e nos impele a trabalhar aos domingos.

Não há mistério por trás dessa realidade. O mistério acontece quando cliente tenta pechinchar, barganhar, levar vantagem sobre o trabalho desse vendedor ambulante. É quando o mistério acontece, e o mundo dominado pelas finanças torna-se mais abjeto, sórdido, inóspito. É quando o vendedor divulga que está vendendo dez laranjas por R$2,00 e um cliente avarento lhe pergunta se pode fazer doze pelo mesmo preço.

Nessa relação capital/trabalho, muitas vezes o ambulante é explorado e, para não perder a venda, acaba cedendo ao ''pedido'' do cliente. Pensa que melhor ''um passarinho na mão que dois voando''. É a mesma mentalidade de governo neoliberal, segundo o qual devemos, em busca de mais emprego, ceder direitos. É a lógica da exploração.

Enquanto abrirmos mão de nossos direitos, a exploração será a lógica. Não importa se somos vendedores ambulantes ou funcionários públicos, estaremos sendo explorados, sob a lógica de quem só visa à lógica do Mercado. Não há mistério por trás dessa realidade. Não há empate. Ou ganhamos ou perdemos.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 04/10/2020
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