Borboletas
Camila gostava de manter suas unhas sempre bem feitas e afiadas, e de ter o banheiro da casa sempre limpo.
Questão de vaidade.
Reservava as terças feiras para tomar uma cerveja no bar da esquina, quando as ruas ainda estavam cheias de pessoas voltando para casa do trabalho. Ela gostava de olhar o movimento, enquanto ia secando as garrafas, entre uma dose e outra de alcatrão.
Tinha deixado o cigarro de lado, mas nessas horas quase podia sentir o gosto da fumaça na boca. Mas era melhor assim. Não gostava de se sentir presa a nada. Fosse a vícios, trabalho e principalmente a pessoas.
O amor era o maior dos psicoativos. Belchior estava certo quanto ao amor e transas sensuais.
E ela se via num fluxo diferente do que andava o mundo, e vez ou outra ligava o foda-se para tudo e desaparecia sem dar muitas noticias. Havia sempre quem se preocupasse, mas nunca ela.
Enfim.
As unhas estavam prontas, pintadas de vermelho. De maquiagem, só fez questão de um batom, no mesmo tom das unhas.
Deixou o banheiro para trás, mas deu um beijo no espelho antes de sair.
Não era terça. Mas parou no bar e pediu uma cerveja. Bebeu calada e leu as mensagens no celular.
Os homens estavam cada vez piores. As pessoas estavam, no fim das contas, deixando de ser interessantes por pura preguiça. Era mais pratico seguir o fluxo e foder até o fim do mundo, no ritmo das músicas e dos memes que circulavam pela internet. Já ela preferia um radio de pilha, tocando de madrugada. Ou um violão bêbado no fundo de um boteco, pouco antes das luzes apagarem.
Talvez fosse uma pessoa de sorte por não conseguir se encaixar naquilo tudo, e por não conseguir amar e se tornar idiota no processo.
Todo apaixonado era rigorosamente um idiota. E em geral um idiota feliz.
Preferia ser amarga como a sua cerveja.
Mesmo que sentisse falta do calor. Mesmo que sentisse falta de perder o ar e o chão.
Tinha matado as borboletas do estômago afogadas em álcool e bile.
“Antes elas do que eu” – Gostava de pensar.
Mas como era perversa a sua juventude, que soava quase como uma meia idade.
Belchior estava certo novamente, quanto às ruas paralelas e as luzes de mercúrio.
A cidade parecia envelhecer sob a luz amarelada, e as avenidas iam arrastando o peso dos carros, a loucura das buzinas e o ar pesado de fumaça.
Sentia tudo definhar como o desejo que havia morrido dentro dela.
O telefone tocou, então.
E ela viu um nome que vinha evitando, por pura negação.
- Alô – Ela disse quando atendeu. - Não quero ver ninguém hoje.
Mas ele estava bem na frente dela, com o celular na mão, quando ela respondeu.
Trocaram sorrisos. Mesmo que ela não tivesse planejado isso.
Deixou o copo de lado sobre a mesa, com uma marca de batom.
Ele se sentou do lado dela, encheu novamente o copo e tomou um gole. No copo dela.
E o sorriso permaneceu no rosto dela. Mesmo que não quisesse.
As borboletas, pelo jeito, haviam aprendido a nadar.