Carta para mim

Entregue essa carta. Sei que você não vai abri-la, mas não custa pedir. E quando chegar, entregue em mãos. Diga que eu mudei. Sim, mudei pra melhor. Ao invés dos cabelos finos, agora uso muitos chapeis. As paixões platônicas transformaram-se em sopros da existência. Ah! E diga que me descobri poeta. Escrever é pra mim como o sono, a fome, a sede, a vida... é como essas coisas sem as quais o ser humano não é humano. Diga que sofri e não foi pouco. Olhei várias e várias vezes na cara de tristeza e enfrentei-la olho a olho. Amei, me entreguei, me apaixonei, sonhei e no fim das contas... fui mais um poeta incompreendido. Rasguei-me de corpo e alma e visceralmente me expus a vergonhas alheias em nome do amor. Mas não desacreditei. O Poeta nunca desacredita do amor... Mesmo conhecendo a maldade do mundo e do homem. Mesmo encantado com a pureza das crianças. Diga que continuo brincando, mexendo na terra, tomando banho de chuva, apertando campainhas e decepcionando o anfitrião. Diga a ele que as coisas por aqui estão totalmente diferentes. Surgiram algumas coisas que não gosto. Um tal de like, joinha, gostei... a linguagem mudou muito. O abraço ficou só nas poesias, as brincadeiras de rua, hoje acontecem de forma virtual. Cada um na sua casa, jogando com se estive fora. Mas eu estou feliz. E descobri que felicidade, como já diz o poeta, é questão de ser. E que na vida as coisas mudam conforme nós mudamos. E pra encerrar e você ir embora, diga a ele que só não aprendi a lidar com uma coisa: a saudade. Principalmente dele. E veja qual vai ser minha reação ao receber uma carta minha, pra um eu de dez anos atrás.

MottaLucas
Enviado por MottaLucas em 03/10/2020
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