DESODORANTE EM CREME
Corre, corre, corre... Ufa! Quase que ELE não consegue entrar no avião. Era sua primeira viagem para o exterior, nunca tinha saído de seus país, conhecia suas terras muito bem, todos os estados já visitara, todas as capitais, e cidades onde tinha parentes ou conhecidos, conhecia todas estas, porque adorava viajar, era seu maior hobby, e isto não significava uma grande riqueza, fortuna imensa, mas força de vontade, resultado de persistente e árdua economia, muitas vezes comendo pão dormido para guardar os centavos e colocar no porquinho ( o cofrinho, obviamente) para depois de chegar na sua meta poder viajar.
Para isso tinha total controle de suas finanças: junto do porquinho ficava quase que colado um bloquinho, e sempre por perto, uma caneta. Então quando alguma moeda ou nota entrava em curso de sua fortuna, ele anotava o dia em que a depositara e a quantidade, e nunca havia dado errado. Tudo fechava sempre. Mas muito antes disso, comprava (com outras economias) revistas sobre viagens e turismo que falassem de toda parte em todo lugar, nos mínimos detalhes, também pesquisava na internet, e em enciclopédias sobre a história do local, porque um viajante desinformado, é um soldado perdido na guerra. Concluindo estas pesquisas, fazia uma seleção dos melhores lugares (entre um grupo maior de seletos) e decidia o lugar, era então passar ao próximo passo para o paraíso artificial.
Pesquisava então os preços de tudo, tudo mesmo, desde a viagem até as quinquilharias em lojas e camelôs. Colecionava os números de telefones destes lugares, e era então a parte mais difícil (para qualquer ser humano, menos ELE): economizar! Conseguia sempre, e o maior desafio então era o atual, que já estava realizado. Viajar para a Argentina. Viajava sempre sozinho, desta vez não era diferente, e estava tudo programado para três maravilhosos dias nos arredores de Buenos Aires. Já havia traçado todos os pontos de visitação, e também estava com a lista de presentes do pessoal do trabalho, já que todos conheciam sua fama, e faziam questão de explora-lo neste sentido. Agora este tranqüilo em sua poltrona, rezando um pai nosso discreto, não porque estava com medo, mas para garantir, o sentimento que predominava era ansiedade. Não era acostumado a beber, mas queria aproveitar tudo pelo preço que estava pagando, então nada rejeitava vindo das aeromoças, nem mesmo as bebidas alcoólicas. As aeromoças prontamente perceberam sua inexperiência e resolveram aprontar para uma boa diversão, lhe deram de tudo quanto era bebida alcoólica... O coitado chegou no aeroporto em Buenos Aires, muito bêbado, sendo auxiliado pelos seguranças, até que se recuperou um pouco e foi para o hotel de táxi.
Uma grande verdade é que ele queria muito conhecer outros países porque não suportava o Brasil, para ele tudo o que vinha do Brasil não prestava, era uma grande pena realmente não poder mais para se afastar daquele lugar, e as pequenas viagens para outras cidades era nada mais que uma pesquisa, para ver se encontrava um lugar que fosse agradável, nunca encontrou, foi para Argentina, e se pudesse, não mais voltaria.
Lá deslumbrou-se com tudo o que via, tinha a cada segundo mais certeza de que aquele era o melhor lugar para se viver. Descobriu produtos no supermercado que nunca tinha visto no Brasil, tudo era mais do que ótimo, realmente estava no paraíso. Xingava o Brasil, desmerecia, tinha vergonha, e se apaixonara por todos os produtos que vira naqueles lugares que visitava, eram todos bons, no extremo do que tinham que ser, e o mais fascinante foi o desodorante em creme. Era delicado, perfumado, não manchava e rendia mais. Mal lia as coisas e rótulos direito, estava extasiado no ‘top’ do mundo.
Mas os três dias acabaram, o dinheiro acabou e teve de voltar. O presente que trouxe pára todos, e inclusive uma caixa cheia para si mesmo, fora aquele maravilhoso desodorante em creme. Estava com nojo do Brasil, com raiva extrema, porque aquele produto era argentino, merecedor de suas axilas nobres que já haviam visitado sua origem.
O pessoal do trabalho, não gostou muito do presente e um deles no final das ‘entregas’ perguntou: - Porque você comprou isso lá, se vende aqui no Brasil?
- Ficou louco, isso é argentino, não existe aqui.
O forçaram a ler o rótulo, e estava escrito em letras garrafais: “MADE IN BRASIL”.
É, o paraíso era construído com partes de seu inferno. Nem acreditou, precisou ir a Argentina para descobrir aquele maravilhoso produto que se escondia bem embaixo do seu nariz. Mas e porque nunca havia visto no supermercado? Era só para exportação?
Não, é que nunca havia entrado em um supermercado, comprava tudo por telefone e internet, e desodorante em creme, era um produto tão insignificante, eu todos conheciam e precisavam, que nem era necessário fazer grandes propagandas. Ele sentiu o quanto seu pensamento era pequeno e insignificante, nem conhecia desodorante em creme. Grandes coisas á ele, eram na verdade, minúsculas.
Douglas Tedesco – 10/2007