São São Paulo, Meu Amor

30/09/2020

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Fui à Rua Santa Efigênia, no centro da cidade de São Paulo, para consertar o meu celular. Nasci e vivi na cidade por mais de 40 anos. E mesmo que critique a loucura diária que é morar aqui, paulistano é sempre paulistano, gosta da sua cidade.

Fazia muitos anos que não caminhava por ali, porque hoje moro em Florianópolis e quando venho para cá, não vou para essa região. Estava curioso para rever alguns lugares que frequentei há anos. Bateu o saudosismo.

Sai do apartamento do meu filho, pela manhã, a pé e desci a Rua Major Sertório em direção à Praça da República. Ele mora em frente ao Mackenzie, tradicional e antiga escola e importante Universidade do estado, com mais de 140 anos de fundação.

No caminho, passei em frente ao então icônico “La Licorne”, boate famosa dos anos setenta por suas mulheres de programa universitárias, seus shows eróticos e seu famoso e cafoníssimo lustre de cristal, logo no hall da entrada. Era frequentada por políticos, estadistas, inclusive estrangeiros e pela “nata endinheirada” de paulistanos, sendo hoje um simples e insignificante estacionamento. Não cheguei a conhecê-la, pois na época, não era para as minhas posses.

Segui descendo a Major e vi uma casa lotérica. Estava há dias querendo fazer uma “fezinha”, pressentindo que ganharia na loteria dessa vez. Fiz a aposta e o sorteio seria naquele dia. Quem sabe viraria milionário. Dizem que dinheiro fácil é difícil, mas a esperança é a última que morre.

Cheguei à Praça da República. No caminho, passei por muitos moradores de rua vagando a procura de comida. É cena que nos deprime e assusta pela quantidade deles. Essa imagem da cidade é muito triste e nos deixa sem ação. Outro problema que parece sem solução é a sujeira, sempre há lixo nos canteiros, ruas, calçadas e sarjetas. É uma deseducação dos paulistanos. Por estarmos hoje muito mais preocupados com higiene, poderíamos agora mudar nossos hábitos e aplicar esses novos conceitos de limpeza ao descarte do lixo que produzimos. Quem sabe, a “cara” da cidade melhoraria.

Seguindo a caminhada contornei a Praça da República, desci a Avenida Ipiranga chegando ao cruzamento com a Avenida São João, eternizado pela música de Caetano Velloso, tendo o famoso Bar Brahma como coadjuvante. Atravessei a Avenida São João, seguindo pela Ipiranga em direção à Rua Santa Efigênia, alguns quarteirões à frente, passando pelo prédio do antigo hotel Excelsior, ainda ativo, em que ficava o tradicionalíssimo Cine Ipiranga. Era uma sala de exibição de luxo e glamour nos anos cinquenta, sessenta, em que aconteciam os eventos de lançamento de filmes - as avant premières - com a vinda de artistas estrangeiros para prestigiá-los. Foi desativado no início dos anos 2000. No final havia virado sala de exibição de filmes pornográficos, tal a sua decadência. Uma pena!

Cheguei à famosíssima Rua Santa Efigênia, a dos eletrônicos, celulares, som, computadores e tudo o que envolve esses assuntos, com suas inúmeras lojas atraindo pessoas de todos os cantos do País. E, havia muita gente caminhando por ela, apesar das exigências de distanciamento social estarem vigentes. Estão os paulistanos relaxando nas precauções!

Fui até a loja de assistência de celulares que conheço, pois, o meu aparelho estava sem som, problema causado muito provavelmente na troca de sua tela que fizera lá há dois dias, já que funcionava normalmente antes desse conserto. Fizeram o reparo gratuitamente e sai novamente para a rua, com o aparelho agora em perfeito funcionamento.

Caminhei pelo viaduto Santa Efigênia, passando por cima do Vale do Anhangabaú, o coração da cidade, que está sendo reformado. Não o tinha visto até então. Segui por ele até o Mosteiro de São Bento, centenário e famoso pelo pão feito pelos monges beneditinos que lá habitam, assim como o coral de cantos gregorianos.

Depois, desci e subi a Rua Líbero Badaró em direção à Praça do Patriarca. Quase no final da subida da rua e antes da praça, estava outro local tradicionalíssimo de São Paulo, a Casa Godinho, também secular e tombada pelo Patrimônio Histórico do Estado. Mantém o mobiliário, as estantes e os balcões de exposição da época da sua inauguração e ainda produz a sua famosa e inigualável empadinha. Entrei e admirei essa loja nostálgica do começo do século passado. Aproveitei para comprar duas garrafas de champanhe, para no dia seguinte, comemorar os noventa e sete anos de vida da minha mãe. Não comprei as empadinhas. Me arrependi. Ao pagar, perguntei à senhora do caixa se era parente do Seu Godinho, disse-me que não, pois ele trabalhara lá até 2007, deixando para os filhos, que venderam para novos donos, sendo ela da parte de um deles.

Saí da loja em direção ao Viaduto do Chá, com seus dois prédios imponentes em suas extremidades: a sede das indústrias da riquíssima Família Matarazzo, hoje Prefeitura; e o da antiga Light, a 1ª companhia de eletricidade da cidade fundada em 1899, atuando por muitos anos até ser estatizada e transformada em Eletropaulo, hoje Shopping Light. Lembro que meu pai, quando encontrava a casa toda iluminada desnecessariamente, nos perguntava: “são sócios da light”?

Ao final do viaduto, está à minha direita o lindo e clássico Teatro Municipal de São Paulo, com a sua arquitetura inspirada na Ópera de Paris. Em frente, o prédio do Mappin, a primeira loja de departamentos da cidade, talvez do País, mantendo ainda o seu relógio na entrada lateral do edifício. Fui muitas vezes lá com a minha mãe quando menino, comprar roupas, sapatos e brinquedos. Uma lembrança inesquecível porque ao se usar o elevador, o ascensorista ia a cada andar dizendo alto e cantado, os produtos que eram vendidos nos pisos. Outros tempos! Hoje está instalada uma loja das Casas Bahia.

O tour continuou pela Rua Barão de Itapetininga em direção novamente à Praça da República e ao apartamento do meu filho, passando por uma galeria, que quando menino tinha uma lanchonete logo em sua entrada e que fazia um espetinho de carne com cebola e molho vinagrete delicioso. Meu pai me levava para comer esse prato e tomar garapa com limão, moídos na hora. Uma delícia! Hoje a lanchonete não existe mais.

Cruzei a Praça da República e desci a Rua Marquês de Itu, passando pelo restaurante Boi na Brasa, que serve uma ótima chuleta com salada de agrião e é frequentado por toda uma fauna noturna de prostitutas de rua, bêbados e clientes das casas noturnas, dos prostíbulos e dos hotéis de alta rotatividade. Mantém-se do mesmo jeito desde os meus tempos de adolescente, quando fui apresentado a ele por meu pai, em uma noite em que lá jantamos. Frequento-o até hoje, pois a carne servida ainda é perfeita.

Cheguei ao apartamento, depois desse passeio pelo centro da cidade, revivendo vários locais da minha vida de paulistano “da gema”, hoje se diz “de raiz”, pois paulistano é sempre paulistano, gosta da sua cidade.

São ótimas e inesquecíveis lembranças.

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 01/10/2020
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