AMANDA

Amanda. Eu a trago comigo, como uma estrela que cabe na mão, alva e cintilante. Ela que não foi minha nem poderia ser. Estudávamos na mesma turma, numa escola municipal. Eu sentava no fundo da sala, porque assim era menos lembrado pela professora, enquanto ela, os olhos vivos e curiosos, sentava-se diante da lousa, sóbria e atenta às palavras ditas e escritas pela mestra.

Eu desprezava as letras, os números, o saber. Ela os amava. Era uma das poucas meninas, talvez a única de toda a escola, que lia as tragédias de Ésquilo. Também amava os astros, especialmente os planetas, gastando tanto tempo no seu estudo que já podia desafiar a professora, a qual a fitava com algum temor (ou uma profunda admiração que beirava o temor).

Essa guria que, por amor dos livros, esquecia-se da infância alegre e solta nas ruas, essa guria me amava. Logo eu que sentava no fundo da classe, perto dos baderneiros, e fui três vezes pra recuperação porque escrevia garranchos que a professora se recusava a decifrar. Como a Amanda, tão estudiosa, poderia gostar de mim? Eis um mistério que não posso compreender. E, em se tratando de amor, o que a razão explica?

Certa manhã, na escola, notei que havia, no canto da minha mesa, um pequeno bilhete. Escrito num papel amarelinho, com letras arredondadas, bem feitas, dizia: "Beijos de sua admiradora secreta". Oh! Senti um arrepio que acelerou o meu coração. Uma admiradora... No dia seguinte, vi na mesa outro bilhete. A frase, numa folhinha cor de rosa, era esta: "Beijos de sua admiradora nem tanto secreta. Boa noite!" Apesar do erro, pois não era noite, mas dia, adorei a mensagem e aguardei que viessem outras. E elas vieram ao longo do mês. Uma delas, curiosamente, era esta frase do Rubem Alves: "Um único momento de beleza e amor justifica a vida inteira". Outra mensagem era este versículo da Bíblia: "Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine".

Eu só pude descobrir sua remetente porque, por um acaso inexplicável, achei o caderno dela, que fora perdido numa quinta-feira. Quando lhe devolvi o caderno, fitei longamente seus olhos, olhos vivos e graúdos que faiscavam como pequenas estrelas. Quase eu lhe disse que estava feliz, quase. Sim, nesses olhos eu descobri o amor, o mais belo de todos, o mais puro. Certamente, o único amor ideal, eterno. Pois não carece do outro para amar, já que se nutre do pensamento, da matéria do pensamento.

(Extraído de "A gata e outras crônicas", livro editado pelo Clube de Autores)