NOSSA, DOUTOR!
Ninguém nasce mulher,
Tampouco homem.
Não nasce pobre nem rico.
Nem belo
Nem feio
Nasce igual,
Despido, gente!
Um “instrumento de trabalho”!
Nossa doutor!
Como o senhor está elegante!
Que belo paletó!
Certa feita, ao descer do carro o paletó enganchou-se na alavanca e rasgou-se. Arrancou a lateral inteira.
Na fila do posto bancário no interior do prédio do foro, todos me olhavam atravessado. Mediam-me e cochichavam. Em pouco tempo a fila estava agitada, um zum-zum-zum, danado. Aquilo foi aumentando, comecei a ouvir os comentários:
- “Nossa, olha!”.
- Ta todo rasgado!
- Será que é louco?
E aquilo durou enquanto permaneci na fila do banco.
Nos cartórios os comentários não eram divergentes, se repetiam.
Aqueles comentários me levaram a uma reflexão.
Aquela roupa que até dez minutos atrás era linda e cara, num passe de mágica se transformara, e transformara também o seu dono. Ambos eram agora um farrapo. Instrumento de ofensas. Todos se ofendiam com as suas presenças.
O belo paletó agora era um trapo.
O impecável “doutor”, agora não valia mais nada só por que um inocente botão resolveu dar-lhe uma mordida?
Aquele belo e maravilhoso objeto perderam toda a sua qualidade por um mero detalhe?
E o “doutor”, que há instantes atrás era belo, bem trajado, solicito, educado, galante, respeitado, e que atraia todos a si, perdera todas essas qualidades pelo simples rasgo em sua roupa?
A banana é somente a sua casca?
O que importa mesmo na vida é o individuo ou a sua aparência?
Aquele paletó que já recebera tantos elogios, agora que se rasgara num mero acidente já não valia mais?
Já não era o mesmo?
Aquele rasgo tinha o poder de aniquilar o homem que o paletó cobria?
Qual a sua importância?
A importância daquele homem estava restrita a sua aparência?
O ser que habitava o corpo que o paletó cobria não tinha existência?
Tudo era uma ilusão?
Nossa como o senhor está bonito! Elegante...!
Todos aqueles elogios que o homem recebia trajando aquele mesmo paletó era falso?
As suas qualidades estavam restritas àquele traje?
Entendo, entendo tudo, e acho natural as reações!
“Se não existisse os comentários, não haveria manifestação”.
Se não existisse a treva, onde a luz iria brilhar?
Se não houvesse a reação, onde estaria a ação?
Para que exista o movimento, deve existir a fraqueza contra a qual ele se afirma ““.