Enquanto isso.

Sexta-feira, mais uma noite recheada de brincadeiras na rua pouco iluminada, crianças corriam para todos os lados e a brincadeira iria começar.

Ao canto do maior muro da rua, a garota mantinha um braço apoiado na parede, os olhos espiando em volta e a cabeça abaixada, nos lábios os sussurros iniciavam, a contagem progressiva se embalava. Até o número 10, ela levava de forma tranquila, contando lentamente e parecendo sentir o sabor de cada algarismo pronunciado, batia o pé no chão em ansiedade, precisava ir logo.

Após a primeira dezena as coisas aceleraram drasticamente, os números saíam atropelados, as dezenas se confundiam e nem ela sabia mais onde estava, contando no automático, vendo os números passarem de forma desenfreada, mas nada poderia ser feito, o embalo continuava. Os 20 chegaram em um pulo, ela nem se deu conta do quanto já havia passado, enquanto isso a movimentação a sua volta continuava, bicicletas passando, as mães reclamando com os filhos travessos, a vida estava em movimento.

Peraí, 30? Já? Como foi que passou tão rápido?

Ela nem pronunciava mais as palavras completas, só queria se livrar logo de toda aquela contagem, outra dezena se foi, mais outra e mais outra. Em um piscar de olhos, tudo estava muito acelerado, já estava nos 50 e quase no fim. Ela sentia o vento gelado bater nas bochechas rosadas, o cabelo bagunçado e a alça da blusa, esticada demais, que insistia em cair, a sandália cinza de poeira chutava algumas pedras, impaciente.

E os 60 chegam em um sopro, o tempo acaba. Ela se afasta da parede, olha em volta e não enxerga nenhum de seus amigos, mas brada confiante a sua busca por eles. A procura é tão frenética que ela nem se dá conta do tempo. De como a vida está passando pelos olhos desatentos, olhos que buscam saciedade da vida, mas que essencialmente não vivem.

E assim ela brinca, durante toda a vida, de pique esconde com a morte, uma corrida constante, um esforço enorme para continuar vivendo e ter paixão por viver.

Enquanto isso, a contagem não para, a vida continua acelerada e continuo virada para a parede. Sem olhar quem me apunhala pelas costas e sem perspectivas do futuro, um tiro no escuro.

Brenda Nascimento
Enviado por Brenda Nascimento em 29/09/2020
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