Histórias e gente da minha terra( primeiros carros)
Histórias e gente da minha terra ( grandes industriais de pesca
e os primeiros carros da cidade)
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Minha terra, Moçâmedes ao sul de Angola, terra de mar rico, grandes pescarias, industrias de grande porte, onde por vezes apenas num espaço de 12 horas outro dia não começava, tanto quanto não acabava, sem a chegada de grandes traineiras carregadas com mais de 150 toneladas de carapaus, por exemplo.
Naqueles tempos mais antigos não havia um grande comércio de peixe fresco, mas no entanto esporadicamente chegavam à cidade carros frigoríficos para abastecer outras cidades de Angola especialmente a vizinha Huíla.
Recorria-se à salga , técnica que remonta a antigas civilizações, para conservar o peixe e industrializar o que dele se tirava e fabricava: farinha, óleo e peixe seco.
Nosso peixe , cuidadosamente levado às Eiras de secagem e colocados em tarimbas para secar, servia de alimento de grande importância na dieta africana, portanto exportado para vários países da África, Europa, USA, Japão, tanto quanto a farinha destinada para a indústria de Rações de animais e para adubos.O óleo também na exportação valiosa para a indústria alimentar ; assim sendo,todos produtos muito lucrativos na indústria piscatória do Distrito de Moçâmedes.
Na nosso Moçâmedes o peixe fresco era pescado à linha na quantia exclusiva para consumo doméstico e chegava às mesas o mais nobre pescado havia naqueles mares ,em apenas 3 ou 4 horas após a pesca: Garoupa de Pedra, Cherne, Pungo( a corvina negra), Raia, Moreira, Charroco, Pargo Mulato, Roncador, Tamboril, Salmonete, Anchova, Linguado, Solah, Imperador, Polvo, Choco,Lula, camarões , lagostas e caranguejos quase que gigantes.E ostras? Uiii!!! Até hoje se fala do tamanho invulgar das nossas Ostras da praia da Baía das Pipas. Apenas nos faltava a Pescada da boa mas aparecia quando desgarrada de algum cardume das águas geladas da África do Sul.
Mas também havia a salga úmida feita em tanques sem água.Fazia-se uma salmoura natural a partir do músculo do peixe.Depois o peixe , úmido, era disposta em barricas de madeira e expedido para o mercado. No Mucuio, peixaria da família de Thomás da Fonseca, as barricas eram fabricadas ali mesmo na propriedade, numa estância de Tanoaria.
Ò! Era uma fartura de peixe! Assim sendo, surpreendente e rico aquele belo mar azul, trouxe muito dinheiro para a cidade e para muitas famílias proprietárias de fábricas e pescarias.Era tanto o peixe que já nem se davam as sobras da mesa pra vizinhos ( tanto o da esquerda quanto o da direita eram donos de pescarias) e pedia-se aos empregados que levassem para suas famílias.
Tantos vizinhos ricos, donos de pescaria!...Era o caso dos meu padrinho, Dr Trigo veterinário: à direita a filha do Sr Venâncio, a Alda, e à esquerda o Sr Romão. Havia sempre peixe com fartura por ali, mas conheciam no final da rua uma família amiga, o Sr Duarte alfaiate que sempre mandava o filho levar latões cheios de carapau.Até na casa do aflaiate da cidade sobrava peixe! Minha madrinha era professora do filho e assim desdobravam-se em atenções.
“Jaquinzinhos” deliciosos mas...
Minha madrinha chamou o menino Zé António e disse:
-“Olha Zé, diz à tua mãe que gostamos imenso mas que está sobrando muito e então seria melhor ficar um tempo sem nos mandar.”
-“Ah professora, mas então? Há tanto, tanto, tanto que, se há de ir para os porcos vai para sua casa.”
Foi a maneira gentil que ele encontrou para se fazer entender.
O Zé António,aluno da minha madrinha na escola 55 , menino amoroso e um amigo de todos da rua Governador Calheiros, morreu ainda muito novo durante o período militar num acidente de jeap na estrada para Moçâmedes quando ia visitar a namorada, a Ângela sobrinha do Bio pianista. Coitado do menino , teve mesmo uma vida de desgraças pois passou por outro acidente gravíssimo; ficou muito ferido com um arpão de pesca fazendo pesca submarina na baía de Moçâmedes.
As pessoas mais abastadas da cidade começaram a comprar carros nos anos 40. Era uma beleza vê-los passar ,e uma festa pois não havia mais de 4 ou 5 naqueles primeiros tempos de novas tecnologias . A garotada parava de rolar as bolinhas na rua e diziam adeus, os adultos abanavam lenços e leques e os cães quase que faziam vênias pois não sabiam quando passaria o próximo “bolid”.
Meu padrinho era um dos poucos que tinha carro. Não era dono de indústria mas tinha uma vida muito confortável. Uma tarde ao chegar ao centro da cidade cruzou-se com sua grande amiga , filha de industriais de pesca, Sr.Dna Celeste Fonseca Robalo e felicíssimos com aquele acontecimento pararam os carros para se cumprimentar; baixaram os vidros, desceram do carro e no meio da rua apertaram as mãos:
-“ Boa tarde, Sr Dr Trigo, como vai?”
-“Muito bem Srª Dna Celeste, olhe como está o trânsito da nossa
cidade! Está muito movimentado hoje. Temos de ter muito cuidado a atravessar as ruas.!!!”
E pelo que sei, foi o aviso dado aos filhos logo que chegaram a casa.
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Lana