Coisas da nossa gente( banheira, charutos e champanhe)

Cidades pequenas têm características próprias, independentemente da época .Não creio que possam adquirir hábitos e costumes de grandes centros mesmo com a evolução dos tempos, especialmente no que se refere a hábitos de vida simples, comuns à essência humana.No meu entender, a rotina de um dia- a- dia naturalmente mais quieto e familiar e com tudo “ à mão de semear” , faz com que as pessoas ajam de maneira diferenciada. São mais carinhosas e amigas umas das outras.Se respeitam mais e confiam mais no próximo.

A cidade onde nasci, Moçâmedes ao sul de Angola, não foi diferente. Ainda em tempos de grandes famílias ,muitos filhos , quando o lar era o pouso seguro da criação, de vínculos ,aconchego e os amigos tornavam-se a verdadeira família .

Talvez possa assim continuar nos dias de hoje, se as pessoas assim o quiserem...

Eram tempos antigos aqueles, tempos de de confiar em veterinários como médicos de família, por exemplo, tal como aconteceu em minha casa.Tínhamos um médico de família muito bom, o Dr Moreira de Almeida mas minha mãe sempre pedia ao meu padrinho veterinário que acompanhasse a saúde de um irmão meu, o que mais precisava de atenção. E assim era.Um empregado levava-o à consulta, mas era avisado que depois teria de passar na casa de meu padrinho veterinário para mostrar a receita.

Eram tempos de ter filhos em casa com uma parteira. Na nossa terra era a enfermeira Dna Fauna a mais chamada entre nossos amigos pessoais mas havia também a Dna Matilde Sousa,maravilhosa parteira e avó do meu conterrâneo Antonio Silheu.

Nasci no mês de Outubro do inicio dos anos 50 e já com padrinhos convidados. No entanto, minha mãe muito religiosa convidou os bons amigos Dr Trigo e Sr Dna Mª Alice para padrinhos mas à representação de santos que ela tinha muita fé: São Judas Tadeu e Sta Teresinha. E assim foi . São este santos meus verdadeiros padrinhos e que tenho muita fé, também.Suas imagens fazem parte de meu pequeno santuário no meu quarto junto a presentinhos das minhas netas dados em momentos felizes.

E o grande dia chegou.O 1º filho da família estava para nascer. Meu pai saiu a correr para avisar os padrinhos que, também como hábito de cidade pequena teriam de estar presentes. Cabia à madrinha levar algo que fosse necessário para o momento e assim sendo, perguntou ao meu pai sobre alguma coisa útil e necessária ao que o meu pai, distraído como era, falou a 1ª coisa que lhe veio à cabeça:

-“ah, uma banheira. Não vi nenhuma lá em casa para dar banho ao bebé”-disse ele.

Por sorte minha madrinha guardava uma banheira antiga num quarto de arrumações da casa dela ,redonda enorme, esmaltada, pintada de branco e tomou a decisão:

-” Vai essa mesmo. Agora não dá tempo de se pensar em outra situação”- resolveu ela

Mas a banheira era realmente grande e tiveram de sair de casa com ela na cabeça e depois colocá-la amarrada no capô do carro. Lá foi o fiel Francisco ajudar.

Quase chegando a casa meu pai lembrou-se que não podiam esperar meu nascimento sem charutos e champanhe e voltaram para trás. Assim, com uma banheira redonda, enorme balançando no capô no carro e comunicando aos amigos que iam passando na rua que eu estava para nascer, lá foram até à loja mais chique da cidade comprar o champanhe e os charutos ( acho que cubanos pois naquela época ainda não existiam restrições à importação em Angola )

Então sim, finalmente estava tudo resolvido e já prontos para ir para casa aguardar o meu nascimento.

Aos poucos os amigos iam chegando e a casa ficou em ritmo de festa. Eram charutos, champanhe para todo o lado e uma banheira no meio deles.

Meus dois irmãos a seguir a mim também nasceram em casa e com o mesmo ritual. Charutos, champanhe e a banheira esmaltada continuaram a fazer parte dos nascimentos em nossa casa. Acho que apenas o ambiente de festa se alterou pois realmente era pouco adequado ao momento .

Os três partos correram muito bem. O meu, e depois dos meus dois irmãos. Quem pode afirmar com toda a certeza que não se deva crença calorosa a Nossa Senhora do Bom Parto mas sem esquecer de inquietante mas aconchegante ritual servido com o "xixi do bebé?"- assim se chamava na época a bebida que era servida nesse momento.

Ó, dia feliz! Sim, e foi um dia abençoado pois até foi encontrado um escorpião no quarto onde eu nasci, felizmente morto a tempo.

Até um escorpião, por ali!

Dia diferente, não foi?Não faltou nada, não!

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Lana

Lady Lana
Enviado por Lady Lana em 28/09/2020
Reeditado em 28/09/2020
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