INCIDENTE EM MATO GROSSO

INCIDENTE NO MATO GROSSO

Não Criarás a Prosperidade se desestimulares a poupança.

Não fortaleceras os fracos por enfraqueceres os fortes.

Não ajudaras o assalariado se arruinares aquele que o paga.

Não estimularás a fraternidade humana se alimentares o ódio de classes.

Não ajudarás os pobres se eliminares os ricos.

Não poderás criar estabilidade permanente baseada em dinheiro emprestado.

Não evitarás as dificuldades se gastares mais do que ganhas.

Não Fortalecerás a dignidade e o anônimo se Subtraíres ao homem a iniciativa da liberdade.

Não poderás ajudar os homens de maneira permanente se fizeres por eles aquilo que eles podem e devem fazer por si próprios.

Abraham Lincoln

Passados quase quarenta anos, eu acho que posso contar essa história sinistra. Contarei o milagre, mas não o nome dos santos. Baseados em notícias que temos hoje, creio que as coisas não mudaram na floresta amazônica. Em nosso país, que a ganância de alguns dos mais poderosos não tem limites, a imensa área da Amazônia é uma grande cereja do bolo chamado Brasil. Falo em poderosos na política, na Justiça, nas riquezas, na influência. Não falo dos empresários, político, juízes e milionários honestos, pois sem eles a situação de nosso país seria muito pior. Contarei como entendi o funcionamento dessa apropriação desmedida de terras devolutas ou de propriedade desconhecida. Em nosso país, 47% das terras pertencem ao Governo, 53% à iniciativa privada. Somente 9% são ocupados pelo agronegócio, que alimentam cerca de 1 bilhão de pessoas em todo o planeta. Ou seja, há imensidões de terra de propriedade desconhecida, outras que pertencem ao governo e não são demarcadas. Para os que reclamam que as terras indígenas têm pouca área, 13% do Brasil pertence aos povos indígenas, que representam menos de 1% de nossa população. Ou seja, os índios possuem muita terra para pouca gente. Essa rápida explicação é um pequeno retrato da questão fundiária no Brasil.

Temos que lembrar que, dos quinhentos e vinte anos de nosso país, duzentos e oitenta e sete (de 1534 a 1821), foram vividos sob o sistema de Capitânias Hereditárias, que próprio nome indica quem deveria pertencer às terras. Após a Independência, proclamada pelo próprio a Imperador do país que nos dominava, criou-se a Lei das Terras em 1850, obrigando que o acesso à terra somente fosse possível através de compra. Desde então ocorreram inúmeras situações que impossibilitaram o cumprimento dessa lei. Uma das mais conhecidas foi a Abolição Escravatura, que libertou e jogou no campo e nas cidades mais de setecentos escravos, sem renda e sem habitação. E casos semelhantes agravaram essa conjuntura. Resumindo, existe no Brasil muita terra sem propriedade comprovada, muita terra sem dono e uma imensa população sem terra e habitação. Em minha opinião, hoje em dia os poderosos acima citados se apropriam de grandes áreas, os fracos lutam para adquirir pequenas áreas, e movimentos organizados buscam tomar posse de terras produtivas, já beneficiadas. À exceção dos pobres, a busca por terra é desonesta. Na Amazônia para comprovar a propriedade de terra o pretendente precisa juntar a documentação e a terra sem dono. Ai ele trata de configurar que a terra casa com os documentos, através de cartório “especializado”. Pronto, é só desmatar que vc tem a terra. Mais ou menos assim.

Eu gerenciava uma grande obra e fui orientado a atender o Sr. Alazão, capataz de uma fazenda vizinha, no que ele precisasse. Alazão seguidas vezes me solcitava serviços de manutenção de maquinas, ou fornecimento de materiais, combustíveis, lubrificantes, etc. Quando eu enviava um equipamento, o capataz exigia que se colasse um adesivo tapando os letreiros da máquina, de modo a não identificar o proprietário. Passados uns meses, Alazão me procurou, nitidamente nervoso. Me informou tratar-se de extrema urgência, precisava usar o rádio da obra devido o seu equipamento estar danificado. Trancou-se na sala do rádio, lá permaneceu falando meia hora. Voltou mais calmo, pediu que não enviasse nada para a fazenda sem que ele voltasse a me procurar, pois ocorrera um fato gravíssimo. Não perguntei nada, pois sabia que sobre os trabalhos de derrubada com equipamentos pesados que ele supervisionava era melhor para mim não indagar nada. Alazão montou em sua camionete e voltou para a fazenda.

Dia seguinte, chega ao nosso canteiro duas viaturas e um caminhão da polícia militar, com muitos soldados. Procuravam por Alazão. Informei como chegar a fazenda e eles se dirigiram para lá. Por uns dez dias o acesso a fazenda foi bloqueado por policiais que foram orientados a não falar com ninguém. Passado esses dias, Alazão me procurou informando que tudo voltara ao normal. Com o tempo, sem demonstrar curiosidades, ele foi me relatando o que ocorrera.

Alazão supervisionava muita gente nos trabalhos de desmatamento e derrubada, por necessidade de sua condição, portava um revolver 38 , sempre na cintura.. Para esclarecer, o desmatamento é feito com tratores e a derrubada é executada com moto-serra. Os tratores jogam as árvores no chão e o pessoal da moto-serra desgalha, separam as árvores de boa qualidade como mognos e cerejeiras, deixam secando para a queimada. Como em todo aglomerado de gente, muito não gostam do chefe e um ou outro o odeia. Já tive a experiência e, por mais justo que você seja, sempre conquistará o ódio de alguém. No caso de nosso capataz, que na agradava ninguém, havia um funcionário que planejara matá-lo.

Diariamente, Alazão ia ao refeitório da fazenda verificar se a comida estava pronta. Caso estivesse tudo certo, convocava o pessoal. Nesse dia, o desafeto de Alazão entrou no refeitório a aguardou a entrada do capataz. Assim que a porta abriu, o camarada atirou e viu que matara outro funcionário. Deixou o corpo caído no chão próximo à porta e voltou a aguardar. Alazão empurrou a porta, viu a poça de sangue. Com muita experiência, voltou e saiu correndo, já sacando a sua arma. O sujeito atirou, mas Alazão conseguiu acertá-lo primeiro. Resultado, dois cadáveres a sumir com eles. Daí, o grande movimento de policiais, políticos e poderosos por dez dias na minha obra, que servia de base para pouso e decolagens de aviões. Tenho até uma foto de reuniões. E assim os serviços de derrubadas continuaram.

Paulo Miorim

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 27/09/2020
Código do texto: T7073648
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