Chorando na janela
Quando eu era criança, achava que tinha gente morando em duas estrelas que piscavam pra mim, na direção da minha casa. Do balanço, quando alcançava o mais alto que eu podia, via o vulto das pessoas. Pareciam discutir algo ou preparar um café. Sentia medo, mas a curiosidade era maior. Queria saber mais daquelas vidas translúcidas.
Ao acordar, adorava ouvir a sinfonia dos bichos e o homem varrendo o chão. O chiado da vassoura feita de mato encantava os ares e eu imaginava que alguém também morava no telhado da casa. Em pouco tempo ficamos amiguinhos e eles me faziam companhia sempre que minha mãe decretava isolamento social.
Às vezes, chorava na janela, admirando um pedaço do céu mergulhado nas poças d'água da minha rua. Achava que as estrelas ficavam esquisitas entre pontas de cigarro e folhas. Imaginá-las dividindo o mesmo espaço com cuspes me remoía as entranhas.
Nos dias de poças, passava um homem de bicicleta sob uma capa preta com capuz. Dizem que era o Mirabô, a voz do auto-falante. Eu chorava sempre baixinho pra ninguém perceber. Era uma tristeza sem quê nem porque, mas sabia que a vida era bela e boa. Só que a Dna Angélica, uma vizinha que contava histórias sobrenaturais de suínos, me disse que no dia em que as minhas estrelas estacionassem bem pertinho da lua, o mundo iria acabar, que pena…
Perdi, então, a esperança de fazer amizade com os transludinhos que sempre me acenavam do azul. O curioso é que o fim do mundo não me assustava. Quando ganhava o colo da minha mãe, eu não precisava de nada.