O PÃO DE COCO DA MEIA NOITE

O PÃO DE COCO DA MEIA NOITE

Compartilhei com meu amigo Clodoaldo, da Pracinha, uma experiência inesquecível, ou melhor, repetimos várias vezes essa experiência. Em 1965 transferi-me do Instituto de Educação Martim Afonso, em São Vicente, para o Colégio Estadual Canadá, em Santos, freqüentando o período noturno. O nome Canadá foi adotado em homenagem à Cia. City de bondes, doadora do terreno onde se edificou o colégio. Cursava o segundo ano científico e prestava o serviço militar no então 2º Batalhão de Caçadores, hoje 2º BIL. Essa mudança possibilitou treinar natação nos finais de tarde no Internacional e surfar na Praia de Itararé às quartas feiras, dia de meio expediente no Exército. Às sextas feiras, na saída das aulas, meus amigos Antenor, Sérgio Heleno, também vicentino e Dagoberto Battochio, me aguardavam e íamos para o Rio de Janeiro passar o fim de semana. E assim foi o ano todo. Em 1966, agora no terceiro secundário, freqüentava o Curso ENGO, cursinho preparatório para vestibular de Engenharia, das duas até as seis horas da tarde. Saíamos do Engo, e junto com um amigo nissei, ia a pé para o Canadá, onde fazíamos um lanche. As aulas começavam as dezenove e terminavam às 23 horas, onze da noite. Ou seja, normalmente saía das aulas com fome. Só foi possível freqüentar o Engo depois de um acordo com meu pai: abriria o armazém todos os dias às sete da manhã e trabalharia até meio dia, pois o cursinho era pago. Aliás, em toda minha vida só estudei dois anos em escola particular. Era um ritmo pesado. Após o armazém, mal tomava um banho, almoçava e apanhava o ônibus Ana Costa, Circular 03 da Viação Santos São Vicente Litoral Ltda., e chegava ao Engo no começo das aulas. Não tinha tempo para mais nada.

Um amigo de infância da Pracinha, o Clodoaldo, freqüentava o Curso Clássico do Canadá e passamos a tomar a mesma condução na Av. Conselheiro Nébias, o Circular 02. Em São Vicente, o ônibus entrava na Av. Presidente Wilson, seguia pela Rua Benjamin Constant até a antiga estação da Estrada de Ferro Sorocabana, onde dobrava a esquerda na Rua campos Salles. Nós descíamos na esquina da Campos Salles com a Rua frei Gaspar, em horário próximo da meia noite. Nessa esquina havia um estabelecimento misto de boteco e padaria.

Certa noite, eu e Clodoaldo, ambos com fome, resolvemos comer algo antes de chegar em casa. Aquela região de São Vicente, na época não tinha iluminação noturna e, devido ao horário, não era segura. Entramos na parte onde era padaria e O Clodoaldo escolheu entre várias opções, um pão comprido, recoberto de coco ralado, de massa semelhante ao que chamamos ao que, nós da Baixada Santista, chamamos pão de cará. Sem grandes pretensões, também escolhi esse pão de coco e um pingado, copo de café com leite que na padaria considero bem melhor que o de casa. Na primeira mordida, saboreei uma verdadeira iguaria. Olhei para o Clodo, e sinalizamos aprovação. O pão era muito saboroso, molhadinho com leite de coco, perfeito. Viramos fregueses e, todas as noites, passávamos na pequena padaria para degustar aquela delícia. Após esse lanche, ficávamos conversando mais uma ou duas horas em frente à casa de Clodoaldo. Às vezes, Clodonéia, irmão do Clodoaldo, abria a janela, olhava para nós, e fechava. Era sinal para irmos para casa. Durante todo o ano letivo, repetimos esse saboroso ritual. Só de lembrar aquele pão de coco fico com água na boca.

Paulo Miorim

24/09/2020

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 24/09/2020
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