A sensação de acordar tendo a certeza de que não havia absolutamente nada para fazer foi empolgante. Entretanto, cinco minutos depois, passou. Bastou entrar na cozinha e fazer um café para perceber que a diarista não tinha sido apresentada a cafeteira, visto a quantidade de sujeira instalada ali. E convenhamos, essa foi só a primeira constatação de que eu iniciava um ciclo desanimador. Não só por causa da indefinição do futuro por conta da pandemia, mas pela certeza de que todas as coisas para as quais eu havia dito "depois eu faço isso", resolveram se reunir diante dos meus olhos.
Não havia mais desculpas para postergar nada. Se eu ainda tinha alguma dignidade, só me restava juntar caneta e papel para preparar uma interminável agenda de afazeres domésticos, que incluíam a aplicação de desengripantes em janelas e portas, apertar parafusos em panelas, aplicar veneno nos formigueiros, trocar a mangueira do jardim, ajustar o telhado e outras tantas providências desagradáveis. Percebi então, que os chamados “maridos de aluguel” fazem parte de uma espécie que merece todo o meu respeito.
Entregar-me de corpo, alma e resmungos àquelas atividades nefastas, ao menos teve um ponto positivo. Cada vez que minha esposa me via furando ou martelando o dedo, tomando choques elétricos e sendo terrivelmente perseguido por formigas e marimbondos, ela dizia que me recompensaria com carinhos e guloseimas.
Durante cerca de quarenta dias, fui sugado por uma rotina que consistia em chorar ao ver os noticiários, xingar gerações de eletricistas, jardineiros e encanadores, me lambuzar de álcool gel ao receber qualquer entregador e claro, perceber que minhas roupas estavam cada vez mais apertadas em virtude da comilança desenfreada durante o isolamento.
Em cada por de sol eu me sentia como que atropelado por um caminhão. Era mais fácil listar o que não doía, ao cair da tarde. Ao menos - para compensar, invariavelmente, eu e minha companheira fazíamos maratonas daquelas series dos serviços de streaming, regadas a bons vinhos. Ou a sopas. Ou a pizzas. Ou a chás. Está bem. Na maioria das vezes, a enormes bandejas de pipoca.