CINEMAS DA CURITIBA ANTIGA

Em 1960, praticamente não havia televisão em Curitiba, apenas a TV Paranaense funcionava, ainda por cima com uma imagem péssima e cheia de chuviscos. Isso quando não desandava a correr na vertical, ou inclinar-se a 45 graus, daí sim ninguém enxergava absolutamente nada. Os aparelhos eram rudimentares, com tubos de imagem de 19 ou 21 polegadas, repletos de botões para trocentos tipos de regulagem. Era uma maratona conseguir ver um show ou jogo mantendo a regularidade da imagem, e tudo era ao vivo e sujeito a imprevistos e risíveis gafes. Estou lembrando isso para realçar a importância que tinham os cinemas, com seus filmes em ‘cinemascope’ e ‘technicolor’, com enormes telas panorâmicas, poltronas confortáveis e bonitas, e prédios quase sempre espaçosos, luxuosos e limpos.
Lembro que os meus preferidos eram o Avenida, o Ópera e o Palácio, em plena Avenida Luiz Xavier, formando a elegante Cinelândia curitibana. Estes eram os mais procurados, onde se formavam filas enormes que desanimavam o cidadão curitibano, e onde muitas vezes se escolhia o filme pela fila de menor tamanho.
Eu gostava também do Vitória, na Barão do Rio Branco, enorme e bonito, muito utilizado para formaturas; e do Arlequim, na Cândido Lopes. Os outros que consigo lembrar no centro da cidade eram o São João, na Westphalen; o Rívoli, na Emiliano Perneta; o Luz, na Praça Zacarias; o Plaza, na Praça Osório; o Ritz, na Rua XV; o Lido, na Ermelino de Leão; o Condor, na Cruz Machado; e o Cinema 1, na Saldanha Marinho, onde só rodavam filmes ‘cabeça’. Havia também o Curitiba, na Voluntários da Pátria, com sessões corridas, um filme atrás do outro do meio-dia até oito da noite, Tarzan, Jim das Selvas, Durango Kid, Irmãos Corsos, Roy Rogers, Zorro americano e outros assim, mas era um baita pulgueiro, onde diziam que se alguém achasse a pulguinha carimbada, ganhava um fuque (fusca)...hehehehe! Era o único cinema do mundo onde o que ocorria do lado de fora era mais importante do que o que acontecia lá dentro, porque a gurizada de toda cidade ali se reunia para trocar gibis e revistas, tipo Pato Donald, Luluzinha, Sobrinhos do Capitão, Buck Jones, Mandrake e Fantasma; além de figurinhas de álbuns.
Quando estava para começar a sessão, em praticamente todos os cinemas de Curitiba, as luzes iam se apagando lentamente ao som da belíssima música “A Summer Place”. Só que antes da projeção da ‘fita’ exibiam um documentário do Herbert Richers, com algum jogo de futebol no Maracanã, sempre com a trilha sonora "Que Bonito É" acompanhando os lances. Volta e meia, surgia um épico ou um clássico tipo Ben-Hur, a Família Trapp (primeira versão de ‘A Noviça Rebelde’), Dez Mandamentos, Rei dos Reis, E o Vento Levou, que até mesmo nos dias gelados motivavam os idosos curitibanos a tirar seus traseiros do sofá de casa para encarar três horas de projeção, com direito a intervalo no meio do filme pra ‘tirar a água do joelho’. Algumas vezes, faltava energia ou então o rolo de filme se rompia, obrigando os responsáveis pela projeção a se desculpar e pedir um pouco de paciência “aos distintos cavalheiros e damas presentes”, mas sempre sob centenas de assobios e vaias...hehehehe!
Naquele tempo, todo cinema que se prezasse tinha um segurança com aspecto de seriedade, que tentava manter a ordem durante a sessão e de quebra, portava uma lanterna para iluminar o chão àqueles que adentrassem tardiamente a sala de projeção.
Quase todos nós, curitibanos, tínhamos um ‘Cinema Paradiso’ em nossos bairros. Perto da minha casa havia o Cine Mercês, ao lado da Igreja dos capuchinhos, e minha turma - uns doze guris com idades entre 12 e 14 anos - programava pelo menos uma ida mensal, independente do filme em cartaz, pois só nos interessava mesmo a bagunça a ser levada a cabo ou um namorico com as gurias presentes, alegria que durava até o momento que o ‘lanterninha’ se fartava e irado, nos colocava todos pra fora do cinema...hehehehe.
Lembro também do cinema do Colégio Santa Maria, onde os maristas primavam por uma seleção admirável de filmes bons, cheios de valores morais e cristãos, visando abençoar as famílias dos alunos e dos moradores vizinhos.
Por derradeiro, não posso deixar de narrar a desafiadora aventura que era entrar no cine São João sem pagar ingresso. Para tanto, um amigo nosso, o Zaquinha, inventou uma técnica genial, que consistia em aguardar a saída da primeira sessão e infiltrar-se no meio das pessoas, para ir aos poucos entrando de ré...hehehehe. Ficávamos direcionados como alguém que estava saindo, mas ao contrário dos demais, andávamos para trás, em marcha ré. Por incrível que pareça dava certo, quando percebíamos já estávamos na parte interna do cinema! Claro que não era a coisa mais correta a fazer, mas não era pelo dinheiro do ingresso e sim pela emoção de conseguir driblar a fiscalização. Qualquer eventual queixa já prescreveu, mas atenção proprietários daquela época: podem me mandar a conta, confesso que furei o cerco umas cinco vezes. Devo e não nego, e pago quando puder!
(Marco Esmanhotto)


Foto: Cine Teatro Avenida, inaugurado em 1929 - Publicação da Gazeta do Povo em 20-08-2016.
Marco Esmanhotto
Enviado por Marco Esmanhotto em 23/09/2020
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