TRISTE BRASIL!

TRISTE BRASIL!

Nelson Marzullo Tangerini

O tempo passa, e as recordações longínquas e da da infância e da adolescência me vêm a mente: umas, boas; outras más.

Quando estava na 6ª. Série do antigo ginásio, na Escola Municipal Félix Pacheco, em Piedade, questionei com um colega de classe sobre o ensino da escola, como também comentei o estado em que a escola estava, caindo aos pedaços. Este aluno, que se chamava Edmen, filho de pai militar, me denunciou, em sala de aula, em minha presença, para a D. Janete, que eu havia criticado o ensino da escola, bem como e falado do estado em que a escola se encontrava. D. Janete, defensora da ditadura militar, imediatamente me levou à direção da escola que decretou a minha expulsão.

De nada adiantou minha mãe ir à escola para conversar com D. Janete, a direção e à Secretaria Municipal de Educação. Todos estavam contra mim. Era 1969 e o autoritarismo estava entranhado nas escolas, e o ensino era uma doutrinação a favor da ditadura.

Hoje, aos 65 anos, penso que o menino Edmen foi incentivado pelo pai a me denunciar pensando que eu vinha de uma família comunista ou representava alguma célula referente a esta ideologia dentro da escola.

Nas ruas, via carros do exército brasileiro correndo estressados, com soldados, “quase todos perdidos com armas nas mãos”, sedentos pela captura de opositores, que eram rotulados de comunistas. Ou vermelhos. Muitos daqueles jovens cheios de ideais libertários, imbuídos de ideais democráticos, foram presos, torturados e mortos. Muitos desapareceram para sempre.

Muitos dos amigos que estudaram comigo naquela época, perderam o pai, a mãe, um tio, que desapareceram para sempre. Outros tantos que não estudaram comigo devem ter passado pelo mesmo problema.

Depois ingressei no antigo ginásio e a história era a mesma: doutrinação, através da História, da OSPB (Organização Social e Política Brasileira), com professores cansativos e intragáveis, que não passavam de uma antena repetidora do Planalto. E acabei me tornando um rebelde, um bagunceiro, porque achava que tudo aquilo era um porre.

Eu era aquele aluno que se recusava a comprar aqueles cadernos Avante!, que enalteciam as “gloriosas forças armadas”, que traziam a “revolução redentora” e varriam o comunismo do Brasil.

Em casa, quando o sol descia no horizonte, sintonizava ora a Rádio Havana, ora a Rádio Tirana, numa velha radio-vitrola – simplesmente porque eram proibidas.

Descobri que não tinha vocação alguma para o militarismo e passei a usar cabelos longos. Declarava publicamente que era contra a presença dos EUA no Vietnam. Era um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones e achava mesmo que “O rock era a forma mais santa que a juventude encontrou para desobedecer ao estabelecido”. A frase de Mick Jagger era o meu lema. As pessoas ditas sérias eram aquelas que jogavam napalm nos vietnamitas; eram aquelas pessoas totalitárias e autoritárias, que comandavam perseguições, prisões, torturas, fuzilamentos e desaparecimentos. Amava a liberdade e não fazia questão alguma de esconder este amor que tinha por ela.

Nas ruas, estressados carros do exército brasileiro; no céu, helicópteros e aviões nervosos. Todos procuravam Fernando Gabeira, sequestrador de um embaixador americano.

Mais tarde, já na faculdade de jornalismo, duas amigas, Fernanda e Léa, me convidaram para participar de uma reunião na sede do Partido Verde, na Rua Muratori, em Santa Teresa, onde conheci pessoalmente Alfredo Sirkis, Carlos Minc e Fernando Gabeira, o sequestrador do embaixador americano.

Apesar de as viúvas de regimes autoritários rosnarem aqui ou ali, a ditadura agonizava.

E eu, ali, entre aqueles bravos guerrilheiros que desafiaram a ditadura; mal podia conter a minha emoção.

Não sei que fim levou o tal de Edmen, e lamento muito que seu pai tenha ensinado seu filho a ser um dedo duro.

Depois de toda essa tempestade, de toda essa avalanche de lama fétida, não podia imaginar que os regimes autoritários pudessem novamente nos assustar. É triste constatar que uma nova geração de imbecis: integralistas que têm como ídolos um torturador, Ustra, e assassinos como Hitler, Mussolini, Salazar e Franco, estejam dispostos a repedir erros condenados pela História Universal.

Por momentos, santa ingenuidade!, pensei que o Brasil caminharia para um futuro libertário e gentil. Todos estes sonhos se foram. O ovo da serpente estava sendo aquecido por essas vozes tenebrosas e trevosas que, diante de nossas barbas [nenhuma alusão a Marx ou Bakunin], sorriem debochadamente, gozando de plena impunidade.

O Brasil, infelizmente, virou a República da Imbecilidade. Triste Brasil!

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 22/09/2020
Código do texto: T7070043
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