Iniciação no pecado da gula
O Salmo 51 diz o seguinte no versículo 5: “Eis que fui nascido no pecado, e no pecado me concebeu minha mãe.” E a gula sempre foi para mim um pecado que me acompanhou desde menino. Gosto de tomar sorvete caminhando pelas ruas, de tomar café com leite andando por aí, comer cachorro quente de pé. Talvez eu tenha herdado tal costume da pressa dos personagens que vejo nos filmes americanos. O que me gera aqui no Brasil algumas complicações. Situações inimagináveis compatíveis ao homem que eu sou, um cara desde cedo é glutão.
O meu pecado tem um agravante: o fato de um detestar dividir aquilo que estou comendo com quem quer que seja. O fato que narro nesta crônica aconteceu quando eu tinha apenas oito anos de idade e vinha tomando um iogurte de mãos dadas com minha mãe. Ao chegar na rua aqui de casa, me deparei com um outro garotinho sentando na casa vizinha com a mãe dele. De repente, o menino começa a chorar e aponta o dedo para o meu iogurte: “Eu quero!” Oferecer algo contra a vontade da gente já é dureza, mas o pior ainda está por vir. Ele bebeu, mas logo estava chorando novamente e dizendo: “Eu quero tudo!”. E lá se foi minha bebida. Estava na boca daquele desinfeliz, daquele tirano mirim, daquele inimigo. Todos os dias ele estava lá, sempre no mesmo horário, apontando os dedos gulosos e os olhos cheios de vontades para qualquer coisa que eu resolvesse comer ou beber.
Certa vez eu vinha com minha mãe e comia um pacote de salgadinhos. Um Fandangos. Ao ver o menino, peguei o pacote e escondi debaixo da blusa. Sem medo, sem vergonha, sem nada. Foi assim que me tornei um glutão. Alguém que come por prazer, que segue sempre experimentando algo novo, que dá mais atenção ao que alimenta o corpo do que para qualquer outra coisa.
Anos depois vinha com uma amiga descendo a Rua da Bahia, aqui em Belo Horizonte, depois de um sarau de poemas na Savassi. O nosso objetivo era o Maletta e o famigerado macarrão na chapa que vende num bar de lá. Lá pela alturas da Augusto de Lima minha amiga falou bem assim: “Leandro, o problema é que eu não estou com a menor intenção de dividir meu macarrão com você. Estou com uma baita fome”. Eu adorei aquilo. Nossa afinidade a partir de então foi pra sempre. Afinal, nosso laço nasceu de algo incomum que foi a gula. Esta amiga me ensinou a ser eu mesmo, a não me importar com que os outros pesam e a dizer sem medo para algum outro amigo: “Cara, eu não quero dividir minha pizza com você.”
Hoje em dia mudei. Sou num novo homem. Antes eu oferecia um salgado para alguém torcendo para a pessoa dizer não, mas hoje saio literalmente correndo com minha coxinha ladeira abaixo. Atravesso a rua sem olhar, corro no meio das pessoas, provoco risadas. No meio de tantas liberdades esquisitas por aí não vejo motivos para esconder que sou guloso. Que daria meu reino por uma asinha de frango, mas sem o menor desejo de compartilhar com ninguém.