Brequei o carro, e já imbuida do sentimento de ódio que me corroía, fui abrindo a porta com a caderneta mental cheia de adjetivos pouco louváveis, aprisionados à língua e prestes a tomar liberdade com a chave da impaciência: QUE VONTADE DE XINGAR. Não fosse a ternura no olhar de vidro da menina que quebrou a chave e me colocou no fundo do poço da vaidade. Levantou-se pedindo desculpas pelos transtornos e veio, passo a passo, ofertar-me uma palavra de conforto. Ao vê-la caminhando com dificuldade, percebi que possuía deficiência visual e física. O coração que batia feito tambor, de raiva, diminuiu a pressão arterial, dando lugar ao pandeiro e a vontade de carregá-la no colo. A cada passo, uma tortura emocional. Por que somos tão ávidos em julgar os outros e tão benevolentes conosco? Aquela miúda de voz doce aveludada, mostrou-me que na vulnerabilidade, independentemente de razão, não caberiam ladainhas, quando a humildade era a máxima. Em suas mãos trêmulas, carregava o peso de uma liberdade condicionada ao limites que possuía, mas que não a possuíam. Perguntei-a se queria ajuda e a garota olhando-me com todo o corpo, disse que queria só agradecer por ser tolerante com sua distração. Um tapa de luvas... Entro no carro com um peso nas costas: "o essencial é invisível aos olhos". Não sei para ela, mas depois daquele BREQUE NA LÍNGUA, confesso, é mais deficiente quem não controla seus instintos. Por falar nisso, na contramão, já xingaram alguém mentalmente enquanto sorriem? Experimente sem moderação!