CAÇANDO RÃS
Caçando Rãs
Dias de chuva, à noite, equipados com lanternas de carbureto e fisgas, que eram garfos tirados de casa tornados retos com marteladas e amarrados com arame em cabos de vassouras, íamos caçar rãs nas valas de São Vicente. Os garotos mais abonados usavam lanternas de pilhas e fisgas compradas em loja, que tinham pontas como anzóis. A lanterna de carbureto possui dois compartimentos, um superior e outro inferior, ligados por uma rosca, semelhantes a cafeteiras. O superior destina-se a água e, no fundo deste, há uma pequena válvula regulável que interliga internamente com a parte inferior. O compartimento inferior é aberto em cima. Ligado a parte superior ha um pequeno refletor cônico, no meio deste um bico de um tubo de pequeno diâmetro com a outra ponta no fundo do compartimento. Coloca-se pedras de carbureto de cálcio no compartimento inferior e enche-se o superior com água. Abre-se então a pequena válvula que regula a entrada de água na parte inferior. O carbureto reage com a água, formando gás acetileno e hidróxido de cálcio, que é sólido. O acetileno sobe pela pequena tubulação, saindo no meio do refletor. O operador cuidadosamente acende uma chama e o acetileno queima iluminando, o refletor amplia a luz. A intensidade da chama é regulada pelo fluxo de água, mais água, mais gás, mais fogo e, finalmente, mais luz.
Nós andávamos dentro das valas, descalços, seguindo o coaxar das rãs. Todos os garotos silentes, quem falasse algo levavam broncas e os menores levavam cascudos para aprenderem a ficar calados. Localizada a rã, o cara do lampião ou lanterna fixava o facho de luz no batráquio, que ficava imóvel, como que hipnotizado. A seguir, desferia uma certeira fisgada e, com animal agitando as pernas, colocava-o em um saco. Não era tão simples assim. O sujeito da fisga era sempre escolhido, pois havia alguns insucessos. Ao perceber o movimento, a rã saltava para a escuridão e não a víamos mais. As fisgas de garfo, por terem pontas lisas, requeriam cuidados para a rã não escapar, Portanto a eficiência e precisão dos movimentos eram fundamentais. Voltando à casa do Zé Guardinha, deixávamos o saco de rãs em um tanque. Dia seguinte, todos limpando as rãs, caso dona Antonia, mãe do Zé Guardinha, não limpasse. Cortá-se a cabeça da rã, coloca-se um raminho de vassoura na medula da coluna vertebral para eliminar os movimentos e tira-se a pele como um vestido ou capa. Cortam-se as pontas das patas e se limpa as vísceras. Pronto, a rã pode ser preparada para fritar, assar, grelhar ou outra maneira de cozinhá-la. Como sempre, aquela molecada comia as rãs encima de uma folha de jornal colocada sobre um caixote. Verdadeiro banquete.
Paulo Miorim
21/09/2020