Olhos grandes
O quanto mudei, me transformei e tornei-me tolerante. A intolerância à lactose não conta. Mentirosa! Há muitas pessoas indigestas, e alguns fatos antigos, mal resolvidos, que estão entre a goela e a vontade de vomitar. Uma voz, dita experiente, fala aos meus ouvidos pra deixar pra lá, e que o passado é ido.
Verdade, principalmente os momentos bons. Até outro dia, tinha um corpo além do horizonte, com curvas suaves e sem relevos. Gostava do que o espelho refletia; um ângulo atrativo para uma boa fotografia. E os traços africanos são Quibundas à parte. Os meus olhos pequenos e amendoados e os cabelos são características indígenas.
O falar rápido, sem ter verborreia ou taquifemia, veio da descendência espanhola. Uma explosão de etnia. Essa singularidade brasileira faz-me única. Voltando ao impressionismo temporal, percebi que tudo mudou. Não sou mais a garota da capa; enxuta, leve, solta e dinâmica. Agora tenho uma desaceleração no metabolismo, e de brinde vieram as mutações do corpo.
Sinto-me no filme, A experiência. Varizes aqui, celulite acolá, gordura saturada e localizada, e as rugas não poderiam faltar. Os cabelos brancos se multiplicando feito praga na lavoura, e o cansaço batendo à porta como visita indesejada, ou cobrador de impostos e taxas. Um outro ser! Entretanto, nem tudo está fora de moda ou indesejável; os valores morais o éticos continuam inalterados.
Mesmo não compondo à lista dos desejos, estão lá; nem todos são decoradores de interior. Não reclamo da ação do tempo no corpo frágil e perecível; mas dos olhos que sobressaem o coração.