Arvore
Árvore
Eram os anos 50. Morávamos na zona rural, em um sítio de meu avô paterno, Francisco de Castro Palma, no Patrimônio Regina, há uns quinze quilômetros da minha cidade, Londrina. Eu e meus irmãos estudávamos na velha Escola Rural de peroba, sem pintura, sem luxo, mas tinha um jardim carinhosamente cuidado, com rosas, jasmim e dálias. Era cercada de árvores nativas da região, que deixavam o ar sempre fresco, renovado, com aroma gostoso da terra vermelha, roxa. A professora era D Herminia, uma baiana de sorriso largo, calma , feito as águas do rio Três Bocas que por lá desenbocavam. Tinha longos e ralos cabelos, sempre presos em um coque . Nenhuma pintura. Guarda-pó alvo. Carinhosa, pegava-nos no colo para ensinar o Bê-a-bá. E brava, muito brava qdo preciso. Ai de quem desrespeitasse um colega. Ai de quem lhe tirasse a atenção na aula... o apagador voava longe. O giz virava sua arma de guerra. Mas todos a respeitavam e tinham-lhe grande apreço. Em tarde de brisa mansa e refrescante, minha irmã Rufina, chegou em casa molhada de pavor. A tarefa era declamar uma poesia no dia da árvore. Não sabia nenhuma. Não havia livros. Não havia bibliotecas. Não havia internet. Não havia Google. Opa, mas havia um avô poeta. Vivo. Ligeiro. Repentista . Artista das palavras. E, para sua sorte, e ironia do destino, passava uns dias conosco no sítio, por recomendação médica, para respirar o ar puro, já muito doente dos pulmões. Receber os cuidados da filha Chiquita e o carinho dos netos. Era por todos venerado. Quando viu a aflição da neta, correu para o quarto com seu caderninho e um lápis. Não demorou nem dez minutos, e lá estava ela: pronta, arrumada, linda, florida, como se de verdade fosse: a sua poesia Árvore que dizia assim:
Oh meu lindo pé de Ipê
bem na beira da estrada
com suas lindas copadas
Na primavera florida
Suas folhas verdejantes
dando sombra aos viajantes
E aos pássaros guarida
Árvore, hoje por ser seu dia
Quero lhe consagrar!
Que esteja sempre exposta ao ar
Debaixo de um céu de anil
Sempre forte e sensiva
Hoje eu quero dar um viva
A todas as árvores do Brasil!
Foi aplaudida de pé por todos. Poesia inédita, encantadora. Meu avô ensinou-a a declamar com gestos, voz doce, apaixonada , que lhe saía das entranhas. Depois ela passou para os filhos e netos. Todos um dia recitaram esta poesia em suas escolas. Hoje ela a declama para ele nos céus. Eu escuto daqui, com os olhos marejados.