CARRUAGEM PELO CÉU

Eu vi o raio se destacando no horizonte parecendo um sabre de luz dendrítico. Foram espécies de mãos brincalhonas fazendo alguma arte moderna momentânea na paisagem. Mas antes dos raios aparecerem nas despidas montanhas de minas, percebi o vento assanhado em sopros vigorosos, sacudindo a cabeleira das plantas e também, juntando à atmosfera as folhas secas de inverno. Em uma visão mais distanciada, o vento encarnou a alma travessa de um menino e aproveitou as estradas de terra seca e fofa para encobrir a “terra da jabuticaba”. Agora pelo início da noite, percebo que todo aquele atrevimento “ventoeiro” funcionou como uma carruagem, trazendo vagarosa uma chuvinha gostosa cantando nas telhas de amianto.

Na favela, os moradores haviam comemorado de maneira tímida a chuva leve que deu as caras depois de um bom tempo sumida. Aquela corcova repleta de casinhas simples, lembrando um rosto desfigurado, foi sendo rebatizada pela chuva de fim de inverno. Manhosas, as gotas de água beijavam os telhados, as alvenarias desprotegidas de reboco e a negridão do asfalto. As nuvens acinzentadas avançaram até o anoitecer, trazendo os ruidosos trovões e a claridade repentina dos relâmpagos iluminando o crepúsculo.

Eu e minha companheira acompanhamos nostálgicos o passeio da carruagem celeste que chegou de forma inusitada. Aquele vento trouxe o cheirinho saudoso de terra molhada, infestando toda atmosfera. Brincou rodopiando pela profundidade da grota ali abaixo, sacolejando uns pés de abacate, manga e jatobá. Aguardamos pela rede, enquanto conversávamos, a chegada da chuva vinda da direção de Ouro Preto, atravessando os mares de morros numa fina camada de neblina. As gotinhas começaram a bater levemente nas telhas de plástico, trazendo um canto de paz e de ninar. Junto à rede que sacolejava, quase tiramos um breve cochilo abraçados.

(JOÃO PAULO FERNANDES ZORZANELLI)