CAMINHADA, SEM PRESSA E PROMESSA
- Pare o carro! - Manhã de primavera.
- Quero caminhar um pouco.
- Um pouco? Nós estamos muito longe da sua casa, é mais de 10 km.
Desço sem dar ouvidos ao colega. Quero realizar uma vontade de há muito. Caminhar numa estradinha de terra, mais ou menos paralela a que percorro para ir e voltar de meu plantão semanal. Antigo leito de uma ferrovia que passava por Bragança margeando o rio Jaguari. Tempo seco, as folhagens que margeiam a estrada estão cobertas de poeira. Dou os primeiros passos, pego um pequeno pedaço de pau para me servir de bengala e proteção, lembrando os caminhantes de eras priscas que usavam cajados para se defenderem de leões e outras feras, agora penso em vira latas ou nos pit buls.
Sigo em passo ritmado, sol forte da manhã, encontro os primeiros cachorros, vira-latas, felizmente, fico preocupado, mas eles não se importam comigo, levantam a cabeça e decidem continuar na sombra do pé 7 copas. Seria por causa do meu cajado? Acho que não...
Passo ao lado de uma cerca viva de Coroa de Cristo, a poeira tira a beleza das pequenas flores vermelhas, sabiá laranjeira, que sabia assobiá, canta ao longe, mas à medida que avanço ouço melhor seu canto.
Pelec, pelec, pelec, olho para traz e vejo um garoto de chinelos com um pacote na mão, a corrida de chinelos é diferente da de sapatos, pois tem o repique do chinelo no pé. Aproxima-se curioso, deve pensar: Quem é este caminhante com chapéu de pano diferente e óculos escuros?... cumprimento-o,
- Oi! - Que me responde:
- Oi! Tamém, - Tinham me avisado desta resposta regional – Oi tamém.
- Como você se chama?
- Gabriel,
- Você está estudando?
- Tô.
- Tá em que ano?
Não responde, acho que está atrasado na escola.
Camisa do Corinthians no corpo franzino, provoco-o:
- Este teu time aí vai para a segunda divisão, tá muito ruim, não acha?
Só sorri, talvez não seja torcedor, só usa a camisa por falta de opção, pois não defendeu como costuma fazer os corintianos apaixonados...
Declina para esquerda em direção a uma casinha simples, como despedida, um singelo sorriso.
Continuo andando, agora escuto leves ruídos de uma bicicleta me ultrapassando, em cima um senhor, cabelo grande e desalinhado, gordo e simpático, cumprimenta me com um bom dia e uma quebrada de pescoço, segue em frente. Passo por uma velha carroça com um cavalo branco, magro e com as costelas salientes. Mais a frente, um gato perto de uma casa vigia me, aproximo-me, seus olhos me acompanham, ameaço a espancá-lo com um movimento brusco, mas ele não acredita, nem se move. Gato esquisito, acho que é amigo daquele vira latas mais adiante, longe da mídia não os avisaram que são inimigos atávicos.
Sinto sede, atrás, passei por uma vendinha, não pedi água achando que logo a frente encontraria outra, mas me enganei.
Volto a encontrar o homem da bicicleta conversando com outro que trabalha num roçado, passo e cumprimento-os, mais à frente a bicicleta me alcança novamente:
-Dia quente hoje não? O homem quer prosa...
-É verdade, o pior é que não chove, não é? Respondo perguntando...
-É, os animais não tem o que comer, veja lá aquele senhor tocando umas vaquinhas na nossa direção, ele leva estas vacas a quilômetros daqui, todo dia para pastar alguma coisa na beirada da estrada.
Olho em frente e vejo um pequeno rebanho de bovinos vindo em nossa direção, as vacas remoendo o capim e pastejando às margens da estrada com suas crias ao pé. Não me preocupo, pois fui criado com estes animais e basta um olhar para ver que são mansos.
Pergunto ao companheiro o que ele faz para ganhar a vida,
-Tenho uma carroça e faço uns fretinhos.
-Aquela carroça lá atrás é do senhor?
-Sim!
-O cavalo está um tanto judiado, não?
-Pois é, não tem o que come, precisa chover logo.
Fico imaginando como aquele cavalo estropiado deve sofrer para carregar este homem e mais uma carga de frete, lembro de algumas passagens de “Vidas Secas”, será que no sul maravilha pode acontecer coisas assim? Faz muito tempo que não chove por aqui, as reservas de água que abastecem as grandes cidades estão muito abaixo do seu nível para esta época. Seria o efeito do aquecimento global? Pensei que não viveria para ver isto, mas acho que o processo sofreu um aceleramento. Numa encruzilhada tomamos caminhos diferentes despeço do agora amigo carroceiro, que ficou na poeira, sem nome, segue pedalando sua bicicleta. Por que será que a carroça ficou para traz no caminho? Ainda consigo perguntar:
-Estamos próximos do asfalto?
-Tá pertinho, mais uma descida e uma subidinha...
Animo a terminar a caminhada, a companhia fez o tempo passar sem perceber...
Foi bom, fora as lixeiras rurais que se denunciavam 100 metros antes e 100 depois com os sacos de lixo de supermercados carregados pelo vento, poluindo o visual rural.
Quero repetir de novo...