Imigrantes
Escrevia-se o dia 23 de setembro de 1873 – ou melhor, seria escrito, caso houvesse por ali tinta e papel, caso a maioria ali soubesse escrever. Eram 70 homens recém-chegados ao Brasil, vindos de vários lugares, principalmente a Boêmia, a Pomerânia e a Polônia. Falavam dialetos distintos e alguns deles até mesmo haviam estado em guerra poucos anos antes, mas agora eles compunham um só grupo e tinham o mesmo objetivo: estabelecer uma moradia no Brasil.
Muitas gerações depois, descendentes desses 70 homens criariam histórias para tentar explicar o motivo de os seus ancestrais terem decidido deixar a Europa e vir para o Brasil – gesto estranhíssimo para quem tem, hoje, como meta de vida fazer justamente o contrário. Esses descendentes aludiriam a alguma guerra, sem nunca mencionarem qual exatamente, e praticamente transformariam esses 70 homens em refugiados, única explicação possível, na sua visão, para que tenham decidido se estabelecer no Brasil.
E, no entanto, o que movia aqueles homens – e suas mulheres – era o simples e natural desejo de ir atrás de oportunidades melhores. Não se fugia de guerra alguma, mas da pobreza. Poucos ali tinham a sua própria terra quando viviam na Europa, e quem tinha geralmente não era muita, nem fértil. Havia os que vinham de regiões essencialmente agrícolas e os que vinham de áreas mais industrializadas, mas onde o emprego já era raro. Em comum, a certeza de que as coisas não iriam melhorar se não fizessem alguma coisa diferente. E então eles tiveram uma ideia fixa.
Muitos anos antes, outro imigrante já havia afirmado que, quando a ideia de emigrar começa a criar raízes, é como tiririca, difícil de extirpar. Ainda que se conseguisse dominá-la, ela tornaria a brotar. Era um micróbio que tomava conta do indivíduo, uma doença para qual a Europa não tinha remédio. E ali estavam 70 homens que cederam à ideia de que poderiam começar tudo de novo em outro lugar, ter terras que nunca tiveram, deixar aos descendentes um futuro que não seria possível onde eles estavam.
Foram dias subindo a serra. A primeira parte ainda pôde ser feita de carroça, mas depois se seguia a pé por meio de uma picada. Dormia-se na própria selva. Olhava-se o céu do Brasil e pensava-se: “Será mesmo verdade que eu deixei a minha terra natal e vim parar aqui nesse lugar onde eu nada conheço?”.
Por fim, chegaram à beira de um riacho. Ali viram apenas uma pequena clareira aberta no meio da mata. No final dela, um rancho de tábua rachada, coberto de folhas de taquara: a nova casa, enquanto não construíssem a sua própria. E no dia seguinte – era o 23 de Setembro –, aqueles homens receberam os seus lotes de terra. Haveria um sorteio para saber qual seria o lote de cada um, mas aqueles homens queriam ficar perto dos seus compatriotas – era uma forma de segurança naquele mundo desconhecido.
Começou-se a derrubar as matas, começou-se a fazer pequenas roças para que cada um estivesse em condições de construir uma choupana e, quem sabe, iniciar alguma plantação. Só então poderiam trazer o resto da família, as mulheres e crianças que haviam ficado no sopé da serra esperando – e muitas vezes tendo que se virar para arrumar mantimentos.
Depois de três semanas, desceram a serra e a subiram novamente com os seus familiares. Crianças eram transportadas dentro de cestos nos burros de carga. Ao chegarem, queimaram as roças, fizeram as primeiras plantações de milho e feijão e deram um jeito de melhorar a construção de suas choupanas.
Não havia escola, não havia igreja, não havia médico e se agradecia pelo pão de cada dia que, em verdade, ainda não existia. Tudo estava por fazer e ainda levaria muito tempo até que fosse feito, mas eles fizeram: é hoje a cidade de São Bento do Sul.